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Alcançar beleza, inteligência e personalidade através do yoga*

B.K.S. Iyengar

O Yoga pode nos tornar atraentes e belos?

Antes de responder a essa pergunta, vale a pena saber o que significa yoga, então deixe-me definir o que é yoga. O sábio Patañjali define yoga como “yoga citta vṛtti nirodhaḥ”. “Yoga é controlar ou acalmar a mente de suas correntes de pensamento”.

O ser humano é uma tríade de corpo, mente e alma, e o objetivo da prática do yoga é integrar esses três revestimentos do ser humano. A mente é o rei de todas as nossas emoções e mudanças físicas. A mente é a causa e o corpo é o efeito. De acordo com as emoções da mente, o corpo é moldado. Assim, a menos que a mente seja levada a um estado de quietude, é possível ter sempre um corpo bonito, poder emocional e um porte elegante?

Em segundo lugar, beleza é uma dádiva do criador. Alguém pode ser bonito, mas doente, tanto fisicamente quanto mentalmente. Há tantos santos e yogis que não são fisicamente belos, mas espiritualmente belos. Por exemplo, Louis Fischer, que escreveu sobre Mahatma Gandhi, chamou-o de o homem mais feio da Ásia!

Doenças e infelicidade estão aumentando apesar do avanço da ciência na compreensão do corpo e da mente. A prática do yoga, composta por aspectos físicos, éticos, mentais, intelectuais e espirituais, afeta a pessoa ao fazê-la experimentar subjetivamente em vez de fazê-la inferir por meras observações. A saúde é um benefício a ser conquistado pelo trabalho árduo.

Na verdade, o esquecimento completo da consciência física e da felicidade mental é positivamente beleza e poder dinâmicos. Quando alguém está livre de deficiências físicas e distrações mentais, naturalmente, é levado a adquirir conhecimento e sabedoria e a viver no reino do Ser supremo. Quando isso é alcançado, não significa que se possui não apenas um corpo saudável, forte e bonito, mas também um estado mental benevolente e tranquilo?

Vindo para a outra parte, a saber, dos poderes elevados da mente. Os poderes naturais de um yogi podem parecer sobrenaturais para as pessoas comuns, mas certamente não para ele mesmo. Para ele, a consciência é uma e única, seja num estado de subconsciência ou de superconsciência. As ansiedades e as preocupações da mente e as incapacidades do corpo são vencidas por diferentes estágios do yoga, juntamente com a vida correta, a compreensão correta e o conhecimento correto. Quando se alcança tanto, naturalmente a inteligência torna-se clara e aguçada; e a força da memória assim como a força de vontade são tão elevadas que parecem sobrenaturais para os outros.

O yoga pode desenvolver personalidade, essa atratividade em um indivíduo que exige atenção e respeito das pessoas em relação a esse indivíduo, mesmo se a pessoa não for, particularmente, fisicamente bonita?

Presumo que a sua definição de personalidade não significa aparência externa somente. A personalidade é, portanto, um todo integrado. Nesse caso, posso dizer com confiança que o yoga desempenha um papel muito importante no desenvolvimento dessa personalidade. Patañjali, o pai do yoga, explica que yoga significa controlar as atividades da mente e trazê-las para uma atenção unidirecional. É uma ciência que lida com a mente. A mente é o espelho da alma  porque a alma é refletida através das ações da mente e do corpo. Você concordará que é mais difícil controlar a mente do que o corpo, porque a mente é mais sutil em comparação com o corpo. A mente é facilmente atraída em direção aos objetos externos. Portanto, eu poderia dizer, atrair a mente de volta ao pensamento interior ou ao mundo interior para o crescimento da personalidade mental é yoga.

Por mundo interior quero dizer o conhecimento que se adquire sobre o que está acontecendo dentro do nosso sistema, que é o universo interior – ou você pode chamá-lo de “espaço do conhecimento”. A consciência composta de mente, inteligência e consciência do “Eu” é o universo interior. A mente sempre se agarra aos sentidos para prazeres e dores. É facilmente absorvida em direção aos objetos externos através dos sentidos. O homem e a mulher têm aspectos mais elevados na vida para além das realizações materiais. A satisfação material por si só não nos leva à felicidade e à alegria que vêm de dentro. Envolver os sentidos e a mente para estudar as reações que se tem aos próprios pensamentos, palavras e ações, isso é o mundo interior.

Nossos sentidos são como cavalos, o corpo é a carruagem, a mente as rédeas, e o cocheiro é a alma ou o Ser. Se as rédeas estiverem soltas, os cavalos correm soltos e acabam num desastre. Da mesma forma, a mente indisciplinada vagueia em direção aos objetos atraentes do mundo. Disciplinar a mente e controlá-la é o que ensina a ciência do yoga. Através de tal disciplina, a energia é economizada e assim é usada para a vida correta, o pensamento correto e o entendimento correto de si mesmo. Em resumo, eu digo que ela ensina a verdadeira arte de viver. Isto  é pensamento interior.

O corpo é o templo da alma. O corpo e a mente estão interrelacionados. Eles são a causa e o efeito um do outro. Se a causa estiver correta, o efeito também será bom. Por exemplo, se o corpo é saudável, a mente também será saudável. Se a mente não estiver saudável, o corpo não funcionará corretamente. Observe quando uma pessoa está com raiva ou irritada, seus nervos são perturbados facilmente e isso atrapalha suas atividades físicas. No caso de uma pessoa doente, ela é mais irritável, tem menos equilíbrio do que um indivíduo fisicamente apto. Portanto, desenvolver o corpo é um meio de disciplinar a mente. Ambas disciplinas ajudam a desenvolver a personalidade, pois a personalidade nada mais é do que a unificação das características físicas, psicológicas, emocionais e intelectuais de uma pessoa.

Agora voltando ao aspecto da personalidade. No yoga, pratyāhāra é restringir os sentidos. Deveríamos conhecer as causas das aflições da mente. O sábio Patañjali analisou isso em dois de seus Yoga Sutras. Um deles é: Vyādhi styāna saṁśaya pramāda ālasya avirati bhrāntidarśana alabdhabhūmikatva anavasthitatvāni cittavikṣepaḥ te antarāyāḥ e o segundo é: duḥkha daurmanasya aṅgamejayatva śvāsa praśvāsāḥ vikṣepa sahabhuvaḥ (ver Y.S. 1.30 a 31). A fraqueza do corpo e da mente, o torpor, a indecisão, o descuido, as ilusões, a preguiça, a instabilidade, o sofrimento de dores leves ou intensas, doenças e desespero, até mesmo uma respiração muito superficial, oca e pouco ritmada são, diz ele, distrações da mente. Assim, a fim de manter a mente num estado de bem-estar, o sādhaka cultiva amizade com as pessoas, compaixão com os inferiores, alegria com aqueles que estão melhor na vida e indiferença em relação ao vício e a virtude, prazer e dor – Maitrī karuṇā muditā upekṣānām sukha duḥkha puṇya apuṇya viṣāyāṇāṁ bhāvanātaḥ cittaprasādanam (Y.S., 1.33). Dessa maneira, quando a atitude mental for adquirida, ele não terá uma mente equilibrada?

Quando o corpo está saudável, alguém está consciente disso? Você tem consciência da ponta da sua orelha ou do seu nariz, a menos que haja uma ferida? Assim também quando a mente é levada a um estado de quietude, o que resta? A essência do eu. Não é? Quando o combustível é extinto do fogo, você ainda vê o fogo ou a chama? Assim também, quando o vāsanā ou o fogo dos desejos se extingue, a mente se transforma em conhecimento e iluminação. Quando você alcança tal estado, não pode haver maior glória ou maior alegria. É um estado em que o corpo, a mente e a alma são um. Isso dá à personalidade o poder de atrair. Aqui, a beleza externa não é considerada em absoluto.

Yoga Rahasya Vol. 14, nº2, 2007, p. 24-27.

Tradução: Mónica Fontana.

Revisão: Fernando R. Sánchez Lynn

Atingir a unicidade na prática*

BKS Iyengar

“A disposição da inteligência no corpo
traz graça à consciência.”

A inteligência é universal. Cada indivíduo pode ter diferentes facetas de inteligência, mas no final, a inteligência não varia em nada. É o intelecto que varia. Como a inteligência não varia, temos que aprender a aplicar essa inteligência no corpo quando estamos realizando os āsana-s. Essa disposição da inteligência no corpo traz graça à consciência para que a consciência agracie o corpo físico, o corpo mental e o corpo fisiológico.

Quando a sutileza se desenvolve dentro você, então você aprende, através da ponte de inteligência e consciência, sobre como o observador (o verdadeiro observador) pode ver todo o quadro dos limites físicos, fisiológicos e mentais.

Cada professor pensa que o que ele ensina ou o que ela ensina está de acordo com as condições dos alunos. Mas vocês têm que manter em sua mente que vocês têm que alcançar um certo estado onde as dualidades de inteligência, as diferenças de inteligência desapareçam e haja apenas unidade no sentimento de todos os milhões de pessoas que praticam yoga. Não deve haver nenhuma mudança em experimentar essa essência de cada āsana enquanto você está praticando. Isso é o que eu estou tentando dar a vocês. Então, por favor, sejam humildes, por favor, sejam dedicados aos āsana-s. Vocês não precisam ser dedicados a mim. Sem dedicação não haverá desenvolvimento.

Āsana e prāṇāyāma são as duas facetas no campo do yoga. O conhecimento é adquirido por āsana (que ninguém te ensina nem pode te mostrar). Āsana-s não é exercício físico como é comumente dito. Āsana-s desenvolve inteligência em cada indivíduo para que este se torne mais poderoso em sua compreensão. E āsana ajuda a desenvolver essa qualidade que está latente em você e a traz à tona. Não há nenhuma outra maneira em aṣṭāṅga yoga ou em outros campos do yoga, seja jñāna, bhakti, karma ou como quer que se possa chamar. Essa essência não florescerá como floresce em āsana e prāṇāyāma.

“Āsana é um caminho de jñāna marga.

Você desenvolve o conhecimento de si mesmo,

de seu corpo, de sua mente e de sua própria consciência.”

Āsana é um caminho de jñāna marga. Significa que você desenvolve conhecimento, de si mesmo, de seu corpo, de sua mente, de sua própria consciência. Prāṇāyāma te ensina como através desse conhecimento de jñāna você desenvolve devoção. Jñāna marga e bhakti marga são os dois caminhos do aṣṭāṅga yoga que Patañjali manteve entre yama e niyama (ético) e dhārāṇa, dhyāna e samādhi (karma) porque o karma puro não pode vir sem jñāna e bhakti. Sem a aquisição de conhecimento, sem devoção e dedicação que vêm através de prāṇāyāma você não pode fazer a ação certa. É por isso que dhārāṇa, dhyāna e samādhi não são nada além de ações que não têm reações.

“Dhārāa, dhyāna e samādhi não são nada além de

ações que não têm reações.”

Não há frutos nessas ações. Quando você desenvolve este jñāna através de āsana-s, quando você desenvolve a devoção e a dedicação através do prāṇāyāma, sua ação é livre de motivos e é por isso que é chamada de ação pura.

Então, estes dois passos dados por Patañjali são para que você alcance a maturidade em sua sabedoria. É isso que estou tentando dar, quer isso seja possível ou não. Se não for possível, temos de aceitar as nossas fraquezas humanas, mas um esforço deve ser feito.

Você tem que entender. Sem compreensão, o sentimento não pode vir de forma alguma. Não diga “eu sinto”, você não pode sentir a menos que compreenda exatamente o que é dito e se fico registrado ou não.

Usamos estas duas palavras em sânscrito – chintana e manana. Chintana significa analisar, manana significa sintetizar o que você está analisando com ação. Essa é a beleza desses dois passos do yoga, em que análise e síntese se encontram e, quando se encontram, isso é meditação.

Assim, quando você alcança esse estado no āsana, quando a ação é refletida novamente, e quando nessa ação refletida novamente você volta a reajustar novamente a postura – isso é meditação. Então, alcançar este estado no āsana leva a isso.

Eu dou a base e, a partir desta base, quando você faz sua prática pessoal você pode introduzir estas orientações. É por isso que eu uso a palavra sutileza.

Patañjali usa apenas duas palavras no primeiro capítulo, o que é suficiente para que possamos entender ‘citta prasādanam’. Prasādana não é apenas a expansão da consciência, mas graça.

Prasāda significa que você vai para o templo, você vai para a igreja pedir as bênçãos, não é? Por quê? Para a graça do Senhor cair sobre nós! Assim, a consciência tem que agraciar aquela área, onde quer ou o que quer que você esteja praticando. No momento em que a consciência agracia, então Patañjali diz que você entra em sukshmaha, quando a sutileza de toda e cada parte de seu corpo, de toda e cada parte de sua palavra, de toda e cada parte de sua percepção, deve ser sentida. Quando esse sukshmata chega até dentro você, ele usa a palavra adhyātma prasādana. De citta prasādana – da graciosidade da consciência você tem que saltar para a graciosidade do próprio observador. No primeiro capítulo ele usou estas duas palavras – citta prasādana e ātmā prasādana.

Ele não usou a palavra ātmā prasādana imediatamente sabendo muito bem que as pessoas podem não entender como trazer o observador até este ponto. Por isso ele diz para trazer sua consciência e então a consciência funciona como uma ponte quando você alcança essa essência da sutileza. Você despertou a consciência que está adormecida. No momento em que você a despertou, não é dever da consciência, mas é dever do observador ver se a consciência é despertada em toda e cada parte do seu corpo, desse modo o observador envolve o corpo inteiro. Então o corpo se torna um instrumento para o observador penetrar ainda mais e é isso o que o āsana ensina.

Por que você faz āsana-s?

Somos feitos de cinco elementos: terra, água, fogo, ar, éter. Estes têm cinco qualidades. Estes elementos estão no corpo físico. As qualidades como som, toque, forma, sabor, cheiro e peso do corpo são as qualidades ou o átomo desses cinco elementos e isso tem que ser sentido pelos sentidos da percepção.

“Os elementos são sentidos pelos órgãos de ação;

as qualidades dos elementos, são sentidos

pelos sentidos da percepção.”

Isso significa que você já conquistou os dez elementos da natureza que são controlados pelos dez elementos do corpo humano. Então, vem a mente.

Como o primeiro princípio de prakṛti (ou a natureza) é mahat – a inteligência cósmica, essa inteligência cósmica em cada indivíduo transforma-se na consciência individual de cada um. Então, quando você está praticando āsana, essa consciência individual tem que ser transformada em consciência cósmica em todo o corpo para que a consciência cósmica externa e a consciência individual interna se tornem cósmica (a exterior e a interior) de forma que não haja diferença entre as duas. E quando isso é alcançado, todos os 24 princípios da natureza são colocados sob o seu controle para que o observador sozinho possa ver o 25º princípio e isso é o que āsana ensina. Ninguém sabe isso.

Você tem que saber como esses veículos da natureza são aprendidos pela prática de āsana-s e contidos, para que o observador os use a fim de ver como esse parquinho de cada indivíduo (o mundo inteiro é o parquinho de Deus; para cada indivíduo este corpo é um parquinho para essa alma) pode brincar de qualquer coisa em qualquer parte de seu corpo e é isso que āsana e prāṇāyāma ensinam.

Espero que vocês entendam que o princípio por trás disto é a conquista da natureza, domando a natureza aos āsana-s e prāṇāyāma, de forma que o observador sozinho se estabeleça e dite termos à natureza para que a natureza esteja sob o controle do observador. Acontecerá o contrário até você não praticar āsana e prāṇāyāma. A natureza é superior e o indivíduo é o servo da natureza. Pela prática de āsana-s e prāṇāyāma, a escala é invertida e você se torna o mestre dos tattva-s da natureza, dos elementos, dos átomos, da mente, da inteligência, da consciência. Estes são os veículos da natureza e os āsana-s ensinam você a ir além disso, de tal forma que o observador exista em toda parte como uma unidade singular. Isso significa que o observador está agraciando seu corpo, que é parte da natureza ou a própria natureza. E é isso que eu quero lhes dar.

Por exemplo, quando você pratica Tāḍāsana, compreenda a área periférica de todo o corpo nos pés (toda a área que toca o chão, exceto o arco dos pés). Quando você observa, a borda externa e a borda interna estão conectadas ao centro. Agora eu desconectei. Estou reto, mas desconectei. É aí que a humildade começa. Você tem que ser humilde. Você não pode fazer isso com o seu ego.

Quando você observa suas pernas (veja a pele), a velocidade com que você move a parte inferior da perna não está a par com a velocidade com a qual você move a parte superior da perna. Isso significa que você tem inteligência na parte superior da perna e não tem inteligência na parte inferior da perna. Então, como trazer equilíbrio no movimento de inteligência da parte inferior da perna em paridade com a inteligência da parte superior da perna? É aí que jñāna marga vem. Agora, quando movo a parte inferior da perna, não irei rápido. Eu irei devagar. Diminuo a velocidade da pele que estava se movendo rapidamente. Isso é conhecido como equilíbrio.

Eu estou de pé, mas estou inclinando. Não é o corpo físico. “Não há nenhuma ação física sem vontade mental”. Se você observar a base do pé no tapete você observará que o calcanhar é macio, mas a sola é forte. Por que é que a frente é tão forte no tapete enquanto a parte de trás não é? Então, o que eu faço? Eu faço o ego recuar nas minhas coxas. Você pode ver agora? Assim eu encontrei o meu nível.

Como a água que encontra o seu nível equilibrado, o ser humano precisa observar se estou paralelo ao chão (as coxas).

Guruji demonstra:

Quando você está de pé, veja onde a inteligência é perdida. A região da parte superior da coxa interna empurra para a frente, enquanto quando eu estou em pé, empurro para trás e então, eu fico em pé sabendo muito bem que isso vai para dentro rapidamente.

Portanto, você tem que pegar essas fraquezas que aparecem. O que é forte, o que é fraco? Por que trabalhamos apenas a partir do ponto forte? Isso é conhecido como análise. Por que isto é rápido, por que isto é lento? Então, isso é síntese. Nós chamamos de vicāra. Eu tenho que pensar. Se estou indo ainda mais longe, estou indo errado. Veja o meu peso; o dedo do pé está pressionando o tapete: agora, o que acontece com meu dedão do pé? Isso é conhecido como equilíbrio. Isso é conhecido como síntese.

Observe como o peso se move como um pêndulo sobre um pé. (Sinta apenas a parte de baixo do pé) a largura da sola de um pé, a largura da sola do outro pé, o comprimento da base dos dedos do pé. Da mesma forma, observe o posicionamento do calcanhar. O calcanhar interno está sem vida, mas a parte dianteira do calcanhar externo está cheia de vida. O calcanhar interno está completamente apagado, sem vida. Então, o que você tem que fazer? Vire a pele para a borda. Role a pele para a borda interna. E agora, o que acontece? Pode ver, que você se torna silencioso e vai para dentro? E isso é meditação.

Pode entender? Em uma única frase eu lhe ensinei toda a filosofia.

“A inteligência se move profundo para o interior assim que você abre o corpo físico”.

Abra a parte interna da base dos dedos dos pés. Observe como a inteligência se move na parte embaixo dos pés. Observe a sola, observe o calcanhar, observe a inteligência periférica externa, a inteligência periférica interna. Como elas fluem? Você pode ver a superfície de um rio que flui. Você tem que ver a superfície intelectual no fundo da pele e se houver qualquer sensação de pele tocando significa que a inteligência está bloqueada ali. Então, você tem que levantar, tem que estender e permitir que a inteligência flua.

Observe a rotação da pele no topo da perna, na parte inferior da perna. A parte interior da borda intelectual (perna interna desde o tornozelo até a virilha). A parte externa da borda intelectual (perna externa desde o tornozelo até o quadril).

Prāṇa é força – potência. Prajñā é inteligência. Nós usamos as palavras prajñā e prāṇa. Onde há potência, há inteligência; onde há inteligência, há potência. Por exemplo (um dos estudantes demonstrou) a potência está na grande base do dedão do pé direito. Como a potência é forte, a inteligência é forte lá e o resto é esquecido. Você não está fazendo yoga. Então, falhamos em nossas práticas de yoga já que no próprio alicerce começou se errado. Use a potência na base do dedão do pé esquerdo. (Eu vou dizer potência, não inteligência). Agora, o que acontece com a inteligência? É muito melhor. Agora você tem que discriminar onde você tem que usar a inteligência e onde você tem que usar a potência. Agora, como já há potência na base do dedão do pé, direi para não usar a potência ali, use-a no outro pé para que a inteligência mude ali. Isso é conhecido como equilíbrio. A potência era muito forte, muito poderosa, assim não permitia a inteligência se deslocasse para aquele pé. Então use a potência na base do dedão do outro pé para que a inteligência venha do topo para dentro e se mova para o lado. Isto é conhecido como meditação.

Agora olhe para a parte frontal das coxas, elas estão paralelas? Olhe para os metatarsos. Um está quase enterrado e outro está para cima. O que está para cima – mande ele para baixo e olhe o que aconteceu com essa coxa. É por isso que toda postura dá errado, porque não sabemos como trabalhar o tornozelo-metatarsos. Então você tem que usar a potência para bater para baixo onde está levantado. Ela tem que cavar essa inteligência para baixo no chão. O músculo da coxa tornou-se paralelo. Veja como você tem que usar sua inteligência quando você está trabalhando. Você não tem que dizer simplesmente abaixa, não vai funcionar. Você tem que dizer exatamente ‘empurre a potência para alcançar o chão’, quando pode ver que alcança o chão aí a coxa vai para trás. Portanto, observe dessa maneira.

“A consciência tem que agraciar toda

e cada parte quando você pratica.”

Você pode ver que a consciência não está agraciando a parte posterior do joelho. Graça é bênção. A consciência não está abençoando essa área. Você pode mover a consciência para sentir onde a pele está, da parte superior de trás do joelho para a parte inferior de trás do joelho? Permita a consciência preencher ao máximo a pele. Não pare. Quando você tem que mover as partes, você também tem que mover o todo. O peso veio sobre o estômago, agora empurre esse estômago para trás e veja o que acontece? Então, isso é conhecido como equilíbrio. Pela frente, o abdômen e o púbis devem estar nivelados.

Um ligamento do joelho é longo, um ligamento do joelho é curto (o ligamento interno do joelho). Vire o canto externo do joelho, particularmente o canto superior, role para dentro ao máximo e, em seguida, mantenha-o em contato com a estrutura interna da perna. Observe agora a base dos dedos dos pés. Qual é potente, qual não é? Agora desloque a potência para a outra perna para que a inteligência possa ver.

Não se pode usar a inteligência a menos que se use a potência. Aprenda a combinação de quando usar a potência para que a inteligência se mova, quando usar a inteligência para que a potência se instale.

O Upanishad Yóguico afirma que o homem que dominou āsana dominou tudo. Se você pode fazer isso, você é o mestre dos três mundos de acordo com os Upanishads. E posso citar até mesmo do Upanishad que nem um santo nem um iogue podem se tornar um santo ou um iogue sem aṣṭāṅga yoga, sem a prática dos oito aspectos do yoga.

Que olho está vendo, que olho não está? Para o olho que é potente, há muita energia nessa perna, ao que é fraco, toda a consciência também está dormente desse lado. Você tem que carregar a potência nesse olho também para que a inteligência se mova, escoe no corpo interior.

Ambos os olhos têm que observar o interior do corpo ao mesmo tempo. Ao alongar, veja como a inteligência flui profundamente a partir da periferia. E você tem que captar esse movimento da inteligência. Captar como ela flui sem interrupções, onde estanca na outra perna, onde estanca na coluna vertebral, onde estanca no cérebro. Se não há interrupção, então isso é puro yoga. Se há interrupção, é uma prática impura.

Observe os músculos da coxa das pernas, isto lhe diz qual perna é larga, qual perna é estreita. Os músculos da coxa vão lhe guiar. É por isso que eu disse que seus olhos irão guiá-lo. Mova-se junto com sua inteligência nas costas. Você não pode virar os olhos. “O corpo de trás é o corpo mental, então você tem que ver o corpo mental apenas com o poder mental”.

Preste atenção aos seus olhos. Seus olhos devem estar olhando à parte de trás do corpo. Essa é a sua moldura. O corpo mental está na parte de trás. Os olhos são os espelhos, então você tem que trabalhar usando o espelho, os olhos, para ver como a mente está trabalhando na parte de trás do seu corpo.

No momento em que você faz a ação, a inteligência tem que reagir. Eu estou aqui. Eu não estou aqui. Eu estou aqui. Eu não estou aqui. No momento em que diz que não estou aqui, então seu trabalho é agir e novamente refletir se chegou ou não. Circularizando, não alongando. Como as células são circulares, continue a circular de dentro para fora, do corpo interno para o corpo externo (perna) e do joelho externo para o joelho interno para que você esteja exatamente no centro.

Agora fique à vontade, a inteligência fluirá. Por favor, pegue-a. Onde ela recua. Onde ela não recua, onde ela se mantém, onde não se mantém. Onde ela se mantém – está madura. Onde não se mantém, ainda é fluida, então você tem que desenvolver essa parte.

É assim que você tem que trabalhar em cada um dos āsanas!

Yoga Rahasya Vol. 16, nº2, 2009, p. 20-28.

Tradução: Monica Fontana

Revisão: Fernando R. Sanchez Lynn

Mente – Um constituinte de Citta

BKS Iyengar

Guruji BKS Iyengar, neste pequeno ensaio, explica os tipos de aflições, as causas das aflições e o papel de citta, a consciência, na erradicação dessas aflições. Ele explica claramente a composição de citta e como a mente é constituinte da mesma. Esta é uma versão editada do artigo publicado no Asta Dala Yoga Mala 1.

O Yoga não apenas analisa o sofrimento, mas também rastreia a causa raiz do sofrimento. Esses sofrimentos são denominados aflições (kleśa-s). Existem cinco tipos de aflições. São visíveis e reconhecíveis ou invisíveis, ocultas e não reconhecíveis.

Tipos de aflições

• avidyā (ignorância),

• asmitā (egoísmo),

• rāga (apegos à luxúria e à ganância),

• dveṣa (aversão, ódio ou malícia) e

• abhiniveśa (egotismo ou medo de perder as alegrias da vida).

Avidyā e asmitā são imperfeições intelectuais, rāga e dveṣa são falhas emocionais e abhiniveśa é uma falha instintiva. Esses defeitos confirmam que o homem é feito de cabeça, coração e vida. Ele tem que usar seu poder discriminativo para obter clareza de inteligência, estabilidade emocional nas turbulências da vida cotidiana e transformar os medos instintivos da vida em um estado intuitivo e destemido.

Yoga controla e purifica esses defeitos através da percepção direta, da imaginação e da análise desses defeitos para distinguir os fatos. Explica as reações dessas aflições, lança luz sobre as causas dos sofrimentos e oferece meios práticos para erradicá-los. Assim, o yoga faz com que o praticante experimente um estado de bem-aventurança pura e imaculada.

Como as aflições e o sentimento de alegrias e prazeres pertencem aos movimentos da consciência, a sublimação da consciência e da vontade por meio do esforço consciente é a chave para libertar o ego da filosofia das tristezas e alegrias.

Yoga foi definido como citta vṛtti nirodha (Y.S., 1.2): Yoga é a cessação de todas as formas de pensamento, sejam internas ou externas, que brotam com ou sem vontade.

O que é citta?

Normalmente usamos a palavra ‘mente’ para significar várias coisas. Por exemplo, inspiração, aspiração, motivação, força de vontade, inteligência, razão e consciência são todos considerados como ‘material mental’. Mas, em termos ióguicos, citta representa distintamente três coisas entrelaçadas. Elas são mente, inteligência e o ‘eu’ que determina que ‘eu sei’. A mente tem o poder de reunir e sentir. Não tem poder determinante. A inteligência discrimina, raciocina e chega ao conhecimento determinativo. Assim, os sábios indianos chamam a mente de manomaya kośa e a inteligência vijñānamaya kośa, ao passo que os estudiosos ocidentais consideram essas duas camadas como um estado psicológico.

Buddhi ou inteligência sendo o veículo mais próximo ao si mesmo se orgulha de ser o verdadeiro Ser. Isto cria o Eu-idade. Todos estes três veículos: a mente, a inteligência e o “eu” se originam de citta e giram em torno dela. Eles deixam de funcionar quando as vibrações de citta são controladas. Então, o SER brilha por si só como uma TESTEMUNHA sem ficar preso na turbulência das convulsões da vida.

Hoje usamos a palavra ‘mente’ para ‘citta‘. A mente é o meio que classifica, coordena e canaliza as impressões recolhidas do mundo externo através dos sentidos do conhecimento e aquelas que são vivenciadas a partir de dentro pelos órgãos de ação. Essas experiências criam várias e divergentes ondas de pensamento, atraindo a mente para o prazer sensual e os apegos. Gradualmente, essas satisfações anseiam por mais e mais e a mente se torna um instrumento para gratificá-las. Se elas são descontroladas, trazem cadeias de sofrimentos como medo, suspeita, indecisão, oscilação, e a mente permanece imatura, terminando em fracassos, dores e delírios que tornam a pessoa instável e fraca.

Se essas oscilações forem bem guardadas por uma mente disciplinada, a felicidade será o resultado. Para tirar o melhor da mente, é preciso saber como ela funciona e como pensa.

A natureza da mente e seu cultivo

Por natureza, a mente está dividida. A mente, de um lado, é apanhada pelos prazeres do mundo e, do outro, busca libertar-se deles. Vários fatores dividem ainda mais a mente. São enfermidades físicas, falta de disposição mental, ilusão, isolamento, dores, misérias e desespero.

A fim de superar todos os obstáculos que surgem na esteira do treinamento da mente do estado de mrdu (apagado) ao estado de niruddha (refinamento), as disciplinas éticas, as disciplinas físicas, as disciplinas mentais e as disciplinas intelectuais são abordadas. Estas disciplinas fazem com que a mente chegue a um único estado para que os defeitos emocionais, intelectuais e instintivos sejam erradicados. Em seguida, elas o transformam em puro conhecimento intuitivo que brota do Ser.

Assim, o estado mental dual (dvaita) é canalizado para um estado monístico (advaita) que é dinâmico, positivo e claro em sua abordagem da vida.

O praticante de yoga vê a uniformidade (visesa advaita) em todas as coisas – animadas ou inanimadas – como a criação (lila) de Deus e se rende a Essa Alma Suprema.

Amizade, compaixão, alegria e indiferença em relação aos fracassos levam ao desenvolvimento de uma mente tranquila.

Junto a prática dos oito aspectos do yoga, Patañjali enumera outras qualidades, que são necessárias para o desenvolvimento de uma mente tranquila. São elas: amizade, compaixão, alegria e indiferença para com os fracassos. Aqui, deve-se ficar encantado por estar com seu mestre, o si mesmo, e ser desdenhoso quando este se torna um instrumento para abusar do corpo sem princípios. Além disso, ele pede fé, coragem, uma memória ágil e uma consciência aguda para que não cresça a complacência.

A mente é cultivada e levada de avidya (ignorância) para vidya (conhecimento), e de vidya para savidya (conhecimento correto e auspicioso), de asmita (o si mesmo egoista ou auto-estima egoista – rajásico por natureza) para sasmita (o si mesmo puro – sattvico por natureza) e de sasmita para nirasmita (o Ser ou purusa). A instintividade (abhinivesha) se transforma em intuitividade (purusa jnana).

Somente a mente, civilizada qualitativamente pela cultura do yoga, pode experimentar este estado onde tudo é puro, eterno e belo.

Yoga Rahasya Vol. 13, nº4, 2006, p. 11-14.

Tradução: Monica Fontana

Revisão: Fernando R. Sánchez Lynn

Sobre yogaterapia

IYENGAR, B. K. S. On Yoga Therapy. In: IYENGAR HIS Life and Work. Mumbai: Yog, 2014. p. 255-260. Entrevista concedida a Rajvi H. Mehta. Traduzido, do inglês para o português brasileiro, no âmbito do projeto de Extensão Traduzindo Yoga para a Comunidade/UFPB (2021). Tradução: Jéssica Oliveira e Wericllys C. Lins da Silva. Revisão: Monica Fontana e Tânia Liparini Campos. Revisão Técnica: Fernando Sanchez Lynn.

Guruji, como você definiria yoga terapêutico?

Terapia é um assunto que lida com a visão do corpo, da mente e também do si-mesmo. Terapia, pra mim, é como nós podemos formar uma metodologia para manter este corpo, mente e inteligência funcionando de uma forma rítmica em coordenação com as várias funções estruturais do corpo. Yoga desempenha um papel importante em educar a pessoa desde a área periférica até alcançar a parte mais interna do ser humano, que você pode chamar de mim ou eu ou o si-mesmo divino. Todos os problemas surgem desse eu ou mim.

Hoje, a pessoa comum não entende o vedānta do yoga. Vedānta do yoga é unir ou construir o corpo, a mente e a inteligência com o apoio da consciência para que todos se tornem uma única faceta do ser humano. A unidade ocorre sem divergências ou desvios.

O corpo, a mente, as emoções e o intelecto dizem coisas distintas. Portanto, essas divergências, que são comuns a todas as pessoas, perturbam a harmonia da força vital que comumente chamamos de saúde. Se houver uma perturbação na força vital, então a chamamos de doença. Essa força vital é influenciada por nossas ações e reações físicas, emocionais e intelectuais, ocorrendo dentro de nós e em resposta ao mundo exterior. Não é tão fácil permanecer em um estado rítmico, equilibrado, embora este seja o objetivo do yoga. Yogaterapia é uma terapia vedāntica mas não uma terapia física como é comumente entendido. Terapia significa entrar no âmago da causa das dores e

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desequilíbrios que criam o sofrimento; tocá-lo e criar aquele ritmo. É uma terapia filosófica e não uma terapia física.

Como você acabou de dizer, Guruji, as pessoas ainda tendem a interpretar que a yogaterapia é uma extensão da fisioterapia, já que trabalhamos o corpo por meio de āsana-s. Quer esclarecer esse equívoco?

Se a ciência moderna denomina a realização de certos movimentos de fisioterapia, isso não significa que você também tenha de nomear um domínio como o yoga de yogaterapia. Tornou-se um hábito, hoje em dia, as pessoas usarem palavras cunhadas pelos intelectuais. A terapia começa no momento em que você nasce. Se você está levando uma vida imoral, então você deve avançar para uma vida moral, para um código ético de vida. Isso não é terapia? Sim. Então como as pessoas podem comparar yogaterapia com fisioterapia? Essas palavras são apenas bobagens para enganar as pessoas.

A força vital precisa ser cultivada. Assim como o ferro enferruja se não for utilizado, seu corpo fisiológico, emocional, intelectual e mental também enferruja. A vida torna-se negativa quando fica enferrujada porque a força vital não se move em todo o sistema para gerar os ingredientes vitais que a compõem. Não considero que qualquer parte do yoga como āsana, prānāyāma e dhyāna seja terapia. Eles provocam o crescimento cultural para que um indivíduo atinja seu nível uníssono na vida.

A saúde é dinâmica, como eu já disse várias vezes. Saúde é uma força viva. A saúde não é estática. Você não precisaria se esforçar de jeito nenhum se a saúde fosse estática. Saúde é movimento. Assim como a saúde é um movimento, a mente também é um movimento; assim como a mente se move, o sistema celular interno do corpo também se move. Portanto, não há nada além de movimento no corpo, seja dentro ou fora de sua mente. Se o movimento é vibrante e dinâmico, então a vida simplesmente se move; a saúde apenas se move com a força vital positiva adicionada a ela. Portanto, a saúde não pode se restringir a estar livre de doenças. A saúde não é apenas psicossomática. A força vital é a criação de Deus. Não tem mente nem corpo. Move-se e é por isso que é chamada vibrante.

Como a saúde é vibrante, temos que continuar a nos empenhar para que não nos enferrujemos na nossa maneira de pensar e na nossa forma de agir.

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Temos que canalizar a energia. A doença se instala quando a energia não se move. Portanto, não sinto que seja justo chamar de terapia toda esta ciência do yoga, que nos diz como utilizar esta energia através do poder intelectual.

Sinto que é uma palavra errada que surgiu, e que é um grande problema explicar isso para as pessoas. Suponha que você esteja quieto e seu corpo e sua mente não funcionem. Não há algo ainda se movendo em seu corpo? Isso é o que precisa ser trazido à superfície. Isso funciona como uma força protetora que mantém a pessoa interior, o eu ou o si-mesmo, em um estado feliz, mesmo após as turbulências emocionais e circundantes da vida.

Patañjali diz, “É melhor prevenir, do que remediar”. Se, com o yoga, você pode prevenir que os elementos agressivos entrem em seu corpo, como chamá-lo de mera terapia, que cura doenças? É preciso estar livre de desarmonias no corpo, na circulação sanguínea, no movimento da respiração e na circulação da energia. Temos os diferentes sistemas, o corpo neurológico, o sistema respiratório e o sistema circulatório. Todos eles existem, mas o yoga ajuda a usá-los ao nível máximo para obter um efeito ideal e você sentir a saúde no corpo, na mente e no si-mesmo. Eu estou usando o termo si-mesmo, que é o ego, ou o eu ou o mim. Não estou falando sobre o ātman. Considero que o yoga é uma ciência que ativa a bioenergia (prāna śakti) e a Energia Cósmica Universal (viśva caitanya śakti). É por isso que considero o yoga uma ciência que faz com que prāna śakti e viśva caitanya śakti trabalhem juntas, de maneira coordenada. Elas já existem, mas precisam ser ativadas. Se forem ativadas, então é como o rio Ganges, se não, é como um rio local, que tem água quando chove e, do contrário, seca. O sistema do yoga é dado para que esse ressecamento do sistema não ocorra.

Com o avanço da tecnologia, a vida materialista do ser humano está se tornando cada vez mais confortável. As pessoas estão sempre procurando por algo mais e, portanto, expressões como saúde holística, vida espiritual e iluminação estão se tornando tão comuns. É fácil usar tais expressões, mas como converter estas expressões em experiências?

Diz-se filosoficamente, “segurança é insegurança e insegurança é segurança”. Você já viu como as pessoas que são completamente seguras vivem? Elas ficam estagnadas; não há força vital atuante nelas. O que você faz quando está inseguro? Você se esforça. Você faz tudo porque está

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inseguro. Insegurança é um pilar para o progresso e o crescimento. Não leve isso para o lado negativo. A segurança é uma destruidora da força vital enquanto a insegurança é a construtora da força vital. Isto é viver positivamente. A insegurança é um pilar para cada indivíduo.

A que os confortos modernos têm levado? Desejo de movimento, preguiça, negligência e descuido. Patañjali já havia dito isso mais de 3000 anos atrás. Yoga nos ensina a ser ricos não apenas externamente, mas também internamente. Conforto material é uma riqueza objetiva, mas o individuo é completamente vazio por dentro. A ciência yóguica diz, “não venda a riqueza da alma pela riqueza das fortunas”. As invenções modernas estão deixando você objetivamente rico, mas pobre por dentro. Isso é tudo o que o yoga ensina. O yoga te ajuda a construir e adquirir tamanha qualidade de riqueza no corpo, na mente e na inteligência. Ter uma conta bancária na ordem dos milhões não significa riqueza, mas pobreza. Você não tem nada para expressar e então diz: “Eu tenho muito dinheiro”. Aquele que está pleno expressa o que é. Yoga também é uma terapia intelectual se alguém ainda quiser rotular o yoga como terapia.

O yoga muda a pessoa emocionalmente, intelectualmente e psicologicamente, fazendo-a desenvolver estabilidade. E dessa estabilidade desenvolve-se o dinamismo. Estabilidade não é o fim da vida. Estabilidade é para sermos positivamente dinâmicos, para nos movermos como um rio que é cheio de força energética do começo ao fim.

Guruji, por favor expresse sua visão sobre os shat kriya-s?

Você tem que entender que esses tratamentos não existiam no tempo de Patañjali e só foram introduzidos depois. Patañjali não os explicou. Ele falou apenas sobre āsana e prānāyāma. Os yogis que vieram depois introduziram os kriya-s. Por quê? Você mesmo mencionou que certas facilidades modernas estariam desencadeando doenças. Até mesmo naqueles dias, o novo conforto material também trazia certas doenças. Não havia tratamento cirúrgico naqueles dias e foi assim que esses tratamentos radicais surgiram.

Até mesmo hoje, na medicina alopática, você tem tratamentos convencionais e não-convencionais. Tratamento convencional é terapia médica, enquanto tratamento não-convencional é cirurgia. Então mesmo no yoga também se tinha o tratamento convencional e o tratamento radical. Hatha Yoga Pradipika, que descreve esses tratamentos radicais,

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também descreve para quais indivíduos esses tratamentos deveriam ser dados. Mesmo nos dias atuais, você terá situações em que um médico quer fazer uma cirurgia enquanto outro irá optar por um tratamento convencional e não será a favor da cirurgia. Muitos médicos não são a favor da cirurgia imediata ao passo que nenhum cirurgião vai querer esperar. Se me permites dizer, hoje o conhecimento tem se transformado em um meio de ganhar dinheiro e não uma maneira de se adquirir mais sabedoria. Assim, às vezes é essa motivação para ganhar dinheiro que leva às cirurgias. Hatha Yoga Pradipika também diz que se use kriya para doenças que não podem ser controladas de nenhuma outra forma. Hoje isso tem se transformado em um procedimento corriqueiro. Quem é culpado por isso? Se não há muco acumulado em seus pulmões, então qual a utilidade de dhauti?

Por isso, por favor, note que existem tratamentos convencionais e não- convencionais no yoga, os quais foram introduzidos nos livros do Hatha Yoga. Os tratamentos não-convencionais foram introduzidos depois, conforme as doenças começaram a aumentar. Anteriormente não havia necessidade de neti, dhauti, vasti, trātaka e kapālabhati. Mesmo hoje, as pesquisas ainda estão em andamento. Novas coisas estão sendo descobertas. Novos sofrimentos surgiram e novos tratamentos, então necessários, vieram à tona. Assim os kriya-s foram então ensinados. Agora não precisamos deles.

Pesquisas estão sempre progredindo. Temos que praticar para reintroduzirmos algumas dessas ações profundas nos mesmos āsanas que eram praticados nos tempos antigos. Novas coisas têm que ser adotadas no mesmo sistema em āsana-s e prānāyāma.

(Entrevista por Rajvi H. Mehta, em 2002)

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Semelhanças nos Tratamentos de Yoga e Āyurveda

IYENGAR, B. K. S. Similarity in Treatment by Yoga and Ayurveda. In: IYENGAR HIS Life and Work. Mumbai: Yog, 2014. p. 169-188. Traduzido, do inglês para o português brasileiro, no âmbito do projeto de Extensão Traduzindo Yoga para a Comunidade/UFPB (2021). Tradução: Janine Nerys, Mariana Barbosa e Raquel Sarmento. Revisão: Edilza Detmering e Tânia Liparini Campos. Revisão Técnica: Fernando Sanchez Lynn.

Yoga se tornou uma medida curativa e preventiva popular. Mas ainda existem dúvidas na mente de muitas pessoas sobre se o yoga realmente cura doenças. Não existem dúvidas quanto ao fato de que o Yoga muda a vida do ser humano e traz saúde. Aqui, estou tentando interpretar os Yoga-Sūtras de Patañjali no estilo da terapia Ayurvédica.

Embora existam opiniões divergentes a respeito de Patañjali e Charaka serem ou não a mesma pessoa, vejo uma grande similaridade entre eles. Patañjali não é inferior a nenhum médico ou cirurgião. A única diferença é que Patañjali trata a consciência (citta) e Charaka trata o corpo. De acordo com Patañjali, a consciência, a mente, é a base que precisa da terapia. De acordo com o Āyurveda, o corpo no qual a alma habita (corpo vivo) é que precisa do tratamento.

Patañjali fornece tanto técnicas abrangentes quanto minuciosas para curar a consciência impura, e Charaka, da mesma forma, fornece vários métodos de tratamento para o corpo impuro.

A doença é aquele estado em que a pessoa não se sente “à vontade”. A arte de levar uma vida “à vontade” é saúde. Normalmente, achamos que a vida é cheia de pressão, dor, tensão, estresse e aflição. O ser humano é afetado pelo ambiente, por estruturas sociais, por competições que arriscam a vida e por lutas sem fim. É afligido por ansiedades, preocupações, desejos, luxúria, raiva, ganância, aversão, ódio, tentações e assim por diante. A vida moderna perdeu sua simplicidade e originalidade e se transformou em uma complexidade que afeta a consciência. A vida está ficando muito complicada, misturada, fabricada, impura, difusa e penetrante.

Vejamos como Patañjali lida com os problemas e dá a solução, e onde ele se aproxima da ciência ayurvédica de tratamento. A alma encarnada ou empírica, chamada Jivātma, se vestiu e se ornamentou com intelecto, ego, mente, cinco sentidos da percepção, cinco órgãos de ações, cinco elementos brutos e cinco elementos sutis. A alma empírica decorou-se com dezesseis qualidades, nomeadamente:

  1. Felicidade (Sukha)

  2. Infelicidade (Dukha)

  3. Desejo (Iccha)

  4. Aversão (Dvesha)

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  1. Esforços otimistas para garantir o objetivo (Pratyāya)

  2. Energia vital que mantém o corpo vivo (Prāņa)

  3. Energia vital que mantém o corpo-máquina intacto (Apāna)

  4. Piscar dos olhos – abrir (Umesha)

  5. Piscar dos olhos – fechar (Nimesha)

  6. Intelecto com o poder de discernimento discriminativo (Buddhi)

  7. Força de vontade, a determinação para continuar o trabalho (Manah-Samkalp)

  8. Poder das razões (Vichārana)

  9. Memória (Smŗti)

  10. Poder do intelecto para conhecer o mundo objetivo (Vijānam)

  11. Entendimento claro e limpo do conhecido (Abhyavasaya)

  12. A conquista dos fins: a experiência e a emancipação (Vishayopalabdhi)

Este Jivātma, porém, se identifica com sua vestimenta, sua decoração e seus ornamentos e se perde, e esta é sua doença. Patañjali traz de volta a alma empírica para o estado trans- empírico.

O observador doente se identifica com o observado. A doença é chamada de vŗtti (modificação mental) e de kleshas (aflições). As cinco modificações mentais são:

● Percepçãoreal
● Percepçãofalsa
● Conhecimentofantasiosoouimaginário ● Sono
● Memória

E as cinco aflições são:

  • ●  Falta de sabedoria espiritual

  • ●  Egoísmo

  • ●  Apego direcionado ao prazer

  • ●  Aversãoàdor

  • ●  Apego à vida

    As aflições são razões para o adoecimento das modificações.

    As cinco modificações e aflições são basicamente nutridas pelas três qualidades da matéria primordial: iluminação, atividade e inércia, que são conhecidas como: sattva, rajas e tamas. Essas três qualidades em diferentes proporções ativam a consciência, que sofre as modificações e aflições. Da mesma forma, Āyurveda contém os tridosha-s ou três humores do corpo: vāta, pitta e kapha, responsáveis por causar doenças. Quase todas as doenças são consideradas tridosha-s.

    Deixe-me explicar brevemente este conceito de tridosha. Os três humores do corpo suportam a estrutura do corpo e mantêm seu metabolismo. Vāta representa a força dos nervos e compreende todos os fenômenos que se encontram sob o sistema nervoso central e simpático. É uma força dinâmica, vital e inerente que existe nas células. É uma energia vital que faz circular o sangue e a linfa, e estimula os nervos. Pitta mantém o metabolismo no

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sistema e gera calor corporal (termogênese). É a base de todas as atividades químicas. É o fogo sustentador das atividades metabólicas. Kapha regula o calor e preserva os fluidos corporais, lubrifica as articulações, constrói tecidos, produz energia e proporciona firmeza aos membros.

O desarranjo na função dos três humores dá origem a doenças. Os tridosha-s em seu estado patogênico viciam sete constituintes: quilo, sangue, carne, gordura, osso, medula óssea e sêmen. Estes constituintes entram em um estado desequilibrado causando doenças.

Quando os humores estão em um estado equilibrado, formando uma estrutura constitucional adequada, isso é chamado de estado de dhātu samyata (constituintes equilibrados), e é um estado saudável do corpo. Da mesma forma, de acordo com o yoga, quando os três constituintes da natureza estão em um estado aquiescente e equilibrado, chama-se de Samyavasthā, que é um objetivo esperado. Nesta fase, “o ser permanece em sua própria natureza”.

(Os Yoga-Sūtras de Patañjali, I-3).

Como a doença se deve a um distúrbio nos humores, ela pode ser mono-dosha, bi-dosha ou tri-dosha. Na verdade, se um for perturbado, os outros dois são afetados. Como a viciação ocorre em proporções diferentes, quase todas as doenças são categorizadas em cinco tipos:

  1. Vitaja

  2. Pittaja

  3. Kaphaja

  4. Vatu-Pittaj, Pitta-Kaphaja, Kapha-Vataja

  5. Sannipataja ou Tridoshaja

Portanto, as doenças, modificações e aflições são principalmente de cinco tipos.

Segundo o Yoga, a sede de sattva-guņa é da cabeça ao coração, a de rāja-guņa do coração ao umbigo, e a de tamo-guņa do umbigo aos pés. De acordo com o Āyurveda, a localização de kapha é da cabeça ao coração, a de pitta é do coração ao umbigo e a de vāta é do umbigo aos pés.

Yoga tem oito ramificações chamadas de Ashtanga Yoga, e Āyurveda também tem oito ramificações chamadas de Ashtanga Āyurveda. Os oito membros do Yoga são:

1. Autocontenção (Yama)
2. Práticas fixas (Niyama)
3. Posturas (Āsana-s)
4. Regulação da energia através do controle da respiração (Prāņāyāma) 5. Aquietamento dos sentidos (Pratyāhāra)

6. Atenção (Dhāraņa)

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7. Meditação (Dhyāna)

8. Absorção (Samādhi)
As ramificações do Āyurveda são:

1. Cirurgia (Shalya)
2. Doenças dos olhos, dos ouvidos, do nariz e da garganta (Shalakya) 3. O tratamento corporal através da medicina (Kāya-chikitsa)
4. Tratamento de doenças mentais (Bhuta-vidya)
5. Obstetrícia e doenças das crianças (Kaumara Bhritya)
6. Toxicologia (Agada tantra)
7. Ciência do prolongamento da vida (Rasayana)
8. Meios de garantir o vigor (Vajeekarana tantra)

Agora vamos ver o método de tratamento de acordo com ambas as ciências.

Patañjali aconselha dois métodos curativos para conter as modificações mentais e queimar as aflições. Eles são: prática (abhyāsa) e falta de sede (vairagya). Abhyāsa é a prática dos oito membros do yoga, e vairagya é a auto redução a um estado de ausência de desejo. Abhyāsa é um método evolutivo e Vairagya um método involutivo.

Em Āyurveda, existem dois métodos curativos: Shodhana, o método de limpeza ou purificação, e Shamana, o método de pacificação. Shodhana é um método drástico, enquanto Shamana é um método suave. Abhyāsa também é um tratamento suave que pode ser brando e agradável enquanto trata o paciente. É por isso que așțānga yoga é aplicável a todas as pessoas.

O tratamento Shodhana traz mudanças drásticas mas, ao mesmo tempo, é prejudicial, uma vez que pode desenraizar os humores se usado de forma errada e frequente. Se não for utilizado, também causa problemas no corpo, então Charaka explica que deve ser usado com muito cuidado. Patañjali também adverte contra o uso de Vairagya como uma medida curativa, pois uma mudança repentina e drástica pode desestruturar o Sādhakā. Primeiro, ele quer que abhyāsa seja feito de forma positiva e que a renúncia seja introduzida de acordo com as medidas adequadas. Portanto, as doses de cinco tipos de vairagya-s são introduzidas lentamente em cinco estágios, de forma que atuem no corpo e na mente de maneira delicada, mas definitiva.

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Eles são:

  1. Yatamana

  2. Vyatireka

  3. Ekagrya

  4. Vashikara

  5. Para Vairagya

Desengajar os sentidos do prazer e controlá-los com esforço contínuo é Yatamana. Então, controlar cuidadosamente os desejos que causam obstrução no caminho da autorrealização é chamado de Vyatireka. Assim sendo, embora os cinco órgãos da ação e os cinco órgãos da percepção estejam inteiramente retirados do mundo externo, os desejos frágeis permanecem na forma de causa no décimo primeiro sentido – a mente. Afastar a mente de todos os desejos é Ekendriya. Permanecer completamente desapegado dos desejos mundanos e celestiais é Vashikara. Paravairagya é a forma mais elevada de renúncia, onde nada é desejado, exceto a alma.

Como Vairagya, Shodhana Vidhi ou método de purificação também é aplicado em cinco estágios:

  1. Emissão

  2. Purgação

  3. Enemata

  4. Enema para a cabeça

  5. Sangria

De acordo com meu entendimento, abhyāsa e vairagya são medidas curativas semelhantes ao shaman Vidhi e shodhan vidhi do Āyurveda.

Os dias modernos são dias de pílulas, comprimidos e cápsulas. As pílulas multivitamínicas são consideradas iguais aos alimentos nutritivos pelo mundo médico.

Sem dúvida, a mente de uma pessoa comum também é treinada para questionar de uma maneira semelhante. A pergunta pode ser: “Sr. Iyengar, há alguma pílula ou cápsula que possamos tomar para alcançar a emancipação?” Eu respondo, “sim” enfaticamente. “Tome quatro cápsulas diariamente sem falta e você será uma alma libertada.” Estas são:

1. Fé (Shraddha)

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  1. Vigor (Virya)

  2. Memória (Smŗti)

  3. Absorção completa na prática de Yoga com total atenção (Samādhia Prajña)

Tome esses quatro comprimidos e a emancipação estará em sua porta. Esse sūtra tem um valor terapêutico.

Agora, alguns ainda podem perguntar se esses comprimidos devem ser tomados com água ou leite. Em Āyurveda existe Anupana. Anupana é aquilo que é tomado junto com o medicamento principal para trazer efeito adequado e imediato. Também serve para diminuir os efeitos colaterais de drogas vitais que podem ser perigosas e prejudiciais.

Patañjali chama Anupana de ‘profunda meditação em Deus’. (Patañjali Yoga-sūtras I.23)

Tem uma história no Bhāgavatam. A Rainha Satyabhama perguntou ao Senhor Krishna porque ele considerava as Gopis suas melhores Bhaktas. Senhor Krishna disse que iria responder mais tarde. Um dia ele queixou-se de uma dor aguda e severa no peito. Os médicos o atenderam, mas opinaram que era incurável, visto que seu medicamento não trazia nenhum alívio. Então, o próprio Krishna, sendo o todo poderoso, disse que o medicamento dado pelos médicos estava absolutamente correto, mas que de alguma forma Anupana não estava correto. Espontaneamente, a Rainha perguntou o que eles deveriam dar como Anupana: leite, suco ou água de manjericão sagrado. Ele disse que a poeira dos pés é o melhor Anupana para a doença. Naturalmente, todas as rainhas foram pegas de surpresa e Narada ficou perplexo, pois sabia que ninguém daria a poeira de seus pés ao Senhor do Universo. Krishna enviou Narada a Gokul, e as Gopis vieram correndo para perguntar sobre o bem-estar de Krishna. Narada disse que Krishna tinha uma dor aguda no peito e precisava da poeira dos pés como Anupana. As Gopis, as melhores entre todas as Bhaktas, imediatamente deram a poeira dos seus pés e disseram a Narada para levá-la o quanto antes, para que o seu Senhor fosse aliviado das dores sem demora.

Depois de pegar Anupana, Krishna se sentiu forte e saudável e disse às rainhas que esse é o amor das Bhaktas que não se importam em dar qualquer coisa ao Senhor. Então esse Iswar Pranidhana é o melhor Anupana para ser tomado com os comprimidos mencionados acima.

A consciência não pode livrar-se tão facilmente de modificações e aflições, pois é uma doença crônica do paciente. A doença crônica deixa o paciente enfraquecido, ele perde, consideravelmente, o poder de resistência e se torna vulnerável. Cada doença tende a ser acompanhada por outras que vêm como efeitos colaterais.

Similarmente, as aflições e modificações são acompanhadas por Citta Vikshepas (impedimentos):

  1. Doenças (Vyādhi)

  2. Lentidão (Styana)

  3. Hesitação (Samshaya)

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  1. Descuido (Pramāda)

  2. Ociosidade (Ālasya)

  3. Gratificação dos sentidos (Āvirati)

  4. Viver no mundo da ilusão (Bhrānti darshan)

  5. A incapacidade de manter o que é prometido (Alabhdhabhumikatva)

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  1. Tristezas (Dukha)

  2. Desespero (Daurmanasya)

  3. Tremor do corpo (Angamejayatva)

  4. Respiração pesada (Śvasa-praśvasa)

Esses são os treze obstáculos e distrações que prejudicam ainda mais citta.
Patañjali fornece algumas medidas preventivas? Sim. A medida preventiva é Ekatatva

ābhyasa, o esforço obstinado para continuar as práticas de Yoga.

Agora, em Āyurveda, existem certos medicamentos destinados para aplicação externa. São conhecidos como Bahir-Parimarjana. Eles são aplicados na forma de massagem com óleo, sudação (tratamento a vapor) pradeha (aplicação de pomada), Parisheka-cataplasma (afusão) e mardana (massagem). Esses são os meios externos que afetam o corpo interno.

Patañjali fornece tratamento igual com citta-prasādanam para trazer a mudança interna em citta. Muitas vezes, temos que mudar nosso comportamento e nossa abordagem em relação ao mundo externo para o nosso próprio bem. Esses tratamentos cultivam a mente para pisar o caminho do yoga com suavidade. São eles:

  1. Maitri: cultivo da amizade para com aqueles que são felizes.

  2. Karuna: cultivo da compaixão para com aqueles que estão tristes.

  3. Mudita: cultivo da alegria para com aqueles que são virtuosos.

  4. Upeksha: cultivar a natureza da indiferença para com aqueles que estão cheios de vícios.

Inabilidade de manter o progresso (Anavasthitatva)

Então
Āyurveda, o medicamento tomado por via interna ou oral para curar ou obter alívio de doenças é chamado Antah-Parimarjana. Parimarjana é limpeza, purificação ou lavagem. Em Āyurveda,

Patañjali fornece os meios internos como Antah-Parimarjana. De acordo com o

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o tratamento é lavar e limpar os dosha-s, e no yoga é lavar e limpar os triguņa-s de que citta é feito. Os meios internos são os seguintes:

1. 2.

3. 4. 5.

6.

Trazer calma e sossego com a retenção da respiração após a expiração.

Envolver-se totalmente com aplicação, dedicação e devoção em um objeto interessante, e saborear a essência da calma e da estabilidade que daí emana.

Contemplar uma luz luminosa, radiante e sem tristeza.

Contemplar pessoas iluminadas que estejam livres de desejos e apegos.

Estudar, relembrar e contemplar durante o estado de vigília, os estados de sono repletos de sonhos e os sem sonhos.

Contemplar uma coisa que conduza e agrade a estabilidade da mente (Patañjali Yoga-sūtras, I.34-39)

Esses são os vários métodos de concentração e contemplação utilizados e aplicados para trazer calma, quietude, estabilidade e serenidade à mente.

Nesse estágio, considera-se que o aspirante do yoga está no estado de bem-estar, porque as modificações mentais se tornaram frágeis e atenuadas, a fim de passar por Samāpatti. A consciência se torna altamente sensível, pura, imaculada e livre de escolhas. Torna-se cristalina. Tal consciência cristalina permite a revelação do conhecedor, do conhecível e do instrumento de conhecimento, mantendo-os como um substrato. Isso é chamado de sammāpatti ou consumação.

Em Āyurveda, svāstha significa ser saudável física, psicológica e espiritualmente. Āyurveda ajuda a trazer saúde ao corpo para que o paciente desenvolva seus próprios talentos para progredir no que diz respeito aos aspectos mental e espiritual. Para esse propósito, o Āyurveda fornece o tratamento chamado rasāyana ou o tratamento ojaskar. Rasāyana é o tratamento que controla o processo de envelhecimento, aumenta a vitalidade, previne doenças, traz saúde e proporciona vida longa. É como um tônico. Ojas adiciona vitalidade e aumenta o poder de resistência para combater doenças. O objetivo desses tratamentos é trazer svasthya ou equilíbrio à pessoa para que ela leve a vida mundana e também a espiritual de uma forma disciplinada.

Yoga conduz a consciência a um estado de tatstha e Tadanjanata. Esses são os estados em que a consciência permanece totalmente no objeto que lhe é apresentado e se apresenta completamente na forma do objeto. Esses objetos podem ser tanto elementos sutis como elementos grosseiros (objetos do mundo) ou os órgãos da percepção ou mesmo a alma. Nesse estágio, a consciência precisa de algum tônico. Patañjali introduz esses tônicos (rasāyana) para estabilidade, silêncio, serenidade e clareza na inteligência; (samāpātti) na forma de savitarka, nirvitarka, savichara, nirvichara etc. (contemplação deliberativa, contemplação super-deliberativa, contemplação reflexiva e contemplação super-reflexiva).

O Āyurveda não se interessa apenas em tratar a pessoa para se livrar da doença, mas, para além disso, deseja estabelecer a saúde no corpo; então, a reabilitação e o rejuvenescimento

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também fazem parte do tratamento de forma a evitar a necessidade de tratamento subsequente.

No Yoga, Patañjali alimenta uma dieta adequada para a consciência com Sabija Samādhi (Samādhi com Sementes – com objeto de foco). Quando citta desenvolve a luz espiritual da inteligência cheia de sabedoria pura, brilhando com verdade e realidade, surge a questão da reabilitação ou rejuvenescimento, à qual Patañjali responde com o estado de Nirbija Samādhi (Samādhi Sem Sementes – sem objeto de foco).

Citta se expressa em cinco planos, nas proporções nas quais os triguņa-s existem. Esses planos são:

1. 2. 3. 4. 5.

Mente errante – Kshipta
Mente esquecida – Mudha
Estados alternados de estabilidade e distração da mente – Vikshipta.

Unidirecionalidade da mente – Ekāgra

Mente restrita – niruddha

O tratamento mencionado acima em Samādhi Pāda é para os pacientes que se enquadram na categoria de ekāgra e niruddha. Patañjali fornece tratamento para aqueles que pertencem às três primeiras categorias.

Em Āyurveda, o paciente é examinado para avaliar bala (força e vitalidade) e dosha (morbidade), para que se dê o tratamento necessário. A constituição do paciente é medida pela avaliação de bala e dosha e, dessa forma, o paciente é classificado em três divisões: Pravara (alto); Madhya (médio); Avara(baixo). Isso também determina a intensidade ou suavidade da doença.

Patañjali não fez isso?

Patañjali retrata níveis distintos de aspirantes como fracos, medianos e ávidos, além dos extremamente entusiasmados. Aqui Patañjali convida o aspirante a se avaliar e decidir sua constituição e sua força. Se o Āyurveda descobre, patologicamente, a morbidade dos tridosha- s, o Yoga descobre a morbidade dos triguņa-s. Yoga dá cinco comprimidos (shradda, etc.) e pede ao aspirante que descubra se pode digeri-los, visto que funcionam com aqueles para os quais há menos morbidez e mais pureza nos triguņa-s.

Se os triguņa-s estão num estado bastante mórbido, os comprimidos devem ser trocados, e eles são:

Tapas Svādhyaya Iśvara Pranidhāna Kriyāyogah (Patañjali Yoga-sūtras, II.1)

Esse comprimido é chamado kriyayoga, que tem três camadas ou revestimentos: tapas (autodisciplina), svādhyāya (autoestudo), Iśvara Pranidhāna (rendição a Deus). Os triguņa-s atingem o estado mórbido porque estão cobertos pela teia de aflições.

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As aflições são primordialmente cinco:

1. 2. 3. 4. 5.

Falta de sabedoria espiritual (Avidya)

Egoísmo (Asmita) Apego à atração (Rāga) Aversão à dor (Dveśa)

Apego à vida (Abhinivesha)

Tudo isso muda a natureza muito pura e simples da mente original, e a torna complicada. Ao contrair uma doença, o aumento da mordibez dos tridosha-s enfraquece a pessoa. Da mesma forma, quando o ser é afetado por aflições, a consciência perde sua força por causa do aumento da morbidez dos triguņa-s. Em Āyurveda, a saúde de uma pessoa depende de vāta, que é considerado o mais forte dos dosha-s. Vāta cria doenças quando em estado de agitação e agravação e restaura a saúde quando em estado balanceado. No Yoga, é o sattva guņa. Quando sattva enfraquece, ele é dominado pelos outros guņa-s, resultando no surgimento das aflições. Mas quando sattva é fortalecido — ou predominante —, as aflições desaparecem.

Como são erradicadas as aflições? Os dois métodos são Pratiprasava e Dhyāna. Pratiprasava é uma contra-ativação e Dhyāna é meditação. As aflições mais sutis são destruídas depois que se adota a contra-ativação (Pratiprasava); e as modificações mentais são aniquiladas e silenciadas por meio da meditação (Dhyāna). A contra-ativação é um método de purificação (Shodhan-Vidhi) e a meditação é um método de pacificação (Shaman-Vidhi).

Em Āyurveda, as doenças são divididas em quatro categorias: 1. Acidentais (Agantuka)

2. Físicas (Shāririka)
3. Mentais (Manasika) 4. Naturais (Svabhavika)

As doenças acidentais são causadas por fatores externos como mordidas, ferimentos e acidentes. As físicas e mentais são doenças e transtornos comumente conhecidos. As Svabhavika são doenças naturais, incluindo o nascimento em si e a fraqueza constitucional que ele proporciona, o envelhecimento, a morte, a fome, a sede, o sono, etc.

A perspectiva aqui é bastante clara, já que Patañjali categoriza vrittis e as aflições como sendo doenças naturais, que existem desde tempos imemoriais, quase que desde a conjunção entre o observador e o observado.

Normalmente, o tratamento utilizado para essas aflições acontece da seguinte maneira: 1. As acidentais são tratadas por meio cirúrgico.

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  1. As físicas são tratadas por meio de atendimento médico.

  2. As mentais, por meio de atendimento psicológico.

  3. As naturais, espiritualmente.

Utiliza-se o mesmo método no tratamento yógico.

As aflições são a causa principal do Karma. Elas devem ser erradicadas apenas por meio de Karma Shuddhi (purificação das ações). As aflições afetam a consciência, que em vez de pura, torna-se fabricada. Nesse caso, trata-se de doença acidental, que precisa de operação cirúrgica. Esse tipo de tratamento é drástico; nessa vertente, Patañjali se utiliza de Pratiprasava (contra-ativação ou involução) como operação. Vrittis são doenças naturais que necessitam de tratamento por meio de estratégias como a meditação.

Avidyā, ou a falta de sabedoria espiritual, é a causa inicial das aflições. Avidyā é o produto de tamo-guņa predominante. Necessita de tratamento. Para destapar sattva-guņa, que é coberto por tamo-guņa, deve ocorrer uma operação em sattva-guņa. Essa operação se chama Vivekakhyati. O instrumento utilizado para essa operação é Ashtanga-Yoga (Yoga de oito passos).

Patañjali é um patologista excepcional. Não fornece tratamentos superficiais; primeiro faz exames patológicos para descobrir a causa primária da doença. De acordo com ele, as experiências, agradáveis ou não, sejam elas mundanas ou do mundo celestial, é que são causadoras da dor e do pesar, são a raiz da doença. A experiência dolorosa é causada pelo funcionamento contraditório dos triguņa-s, e isso é a causa da doença. Por esse motivo, as dores têm de ser evitadas, e Patañjali assume responsabilidade pelo tratamento e cura de doenças por meio da aplicação do método Yógico.

Para terapias, são necessários quatro fatores: o médico, o medicamento, o atendente e o paciente. Patañjali preenche todos esses requisitos. Na jornada Yógica, Patañjali é o médico, a ciência do yoga é o medicamento, o professor que ensina yoga é o atendente e o estudante é o paciente.

Espera-se do médico um excelente conhecimento na área, experiência prática, destreza e pureza. Ele deve conhecer todos os medicamentos, suas utilidades, formas e potências. Um Guru também precisa de conhecimento de āsana e prāņāyāma — a performance, os efeitos múltiplos e as maneiras multifacetadas de aplicá-los na terapia — enquanto trata um paciente.

Patañjali, como o médico capaz que é, conhece claramente a causa da doença. Que é nada mais e nada menos que a associação entre o observador e o observado. Essa união há de ser evitada. Portanto, Patañjali disseca o ser humano para entender claramente sobre drishya e drishta (II. 18 & 19). Ele torna o observador (drishta) consciente do fato de que o observado (drishya) existe em prol do observador, para guiá-lo a residir em seu estado puro de existência.

Ele declara que așțānga yoga é a única cura para essa doença. Inclui todos os métodos curativos utilizados em Āyurveda. O objetivo é a limpeza do corpo e de citta para que o indivíduo atinja o estado de:

1) Limpeza Purificadora (Ashuddhiksheya)

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2) Adição de ojas a jñāna (Jnānadipti)
A consciência ativa (Jñānadipti) e o discernimento discriminativo (Vivekakhyāti) são o estado

de saúde de citta — consciência.

Em așțānga yoga, yama-niyama são princípios morais. Quando não se segue esses princípios morais e de saúde, a doença se aloca. Essa doença se chama vitarka. Vitarka trata de pensamentos impróprios e perversos. Badha significa ser possuído por tais pensamentos.

Vitarka-Badha é um tipo de doença infecciosa de citta que não permite que ela mantenha sua saúde moral. A cura para essa doença é Pratipaksha-Bhāvanam. Esse é um Shamana-Vidhi; um processo de neutralizar vitarka, ou pensamentos impróprios, com tarka, ou pensamentos corretos. Os pensamentos corretos eliminam pensamentos impróprios e citta naturalmente retorna ao seu estado moral.

Āsana é uma cura para doenças físicas, mentais e espirituais. Através da conquista de āsanas, um indivíduo pode trilhar o caminho do yoga sem esforço, à medida em que sua mente e seu corpo mesclam-se totalmente ou assumem a forma infinita do observador. Āsanas colocam um ponto final nas dualidades e diferenças ente o trio — corpo, mente e alma.

Prāņāyāma remove o véu que cobre a luz do conhecimento e aumenta bala — força de citta —, então citta torna-se competente para trilhar esse caminho.

Pratyāhāra é a conquista dos sentidos da percepção. Trata-se da saúde dos sentidos. A doença dos órgãos da percepção é ir atrás dos objetos e se entregar a eles. Essa doença, chamada indulgência, causa indigestão. O remédio para indigestão é Langhana ou Karshana. Langhana é o jejum. Os órgãos da percepção devem jejuar. Langhana tem duas variedades de tratamento: Shodhana (purificação) e Shamana (pacificação). Em Pratyāhāra, os órgãos da percepção são isolados. Os objetos são vomitados através dos órgãos. O enema é feito para que o resíduo não permaneça, nem mesmo em forma de recordação. Porém, uma mudança tão drástica pode apresentar efeitos adversos, então o tratamento de pacificação é feito com a prática de āsanas e prāņāyāma. Os órgãos da percepção aprendem a manter-se numa dieta restrita através da prática de āsanas e prāņāyāma, e finalmente eles entram em jejum completo.

Dhāraņa, Dhyāna e Samādhi são como rasāyana. Rasāyana, em Āyurveda, é um tratamento para deter o processo de envelhecimento, prevenir doenças, incrementar a vitalidade e prover longevidade com saúde. Esses três membros estão estendendo uma mão amiga? Dhāraņa é focar a atenção. Dhāraņa faz com que um citta impotente se torne potente, ou seja, é como rasāyana. Citta se torna jovem. As doenças de citta são prevenidas.

Dhyāna é um fluxo contínuo de atenção, que aumenta a vitalidade de citta. Samādhi é um estado no qual a consciência (Citta) funde-se no objeto de meditação, ou seja, a alma. Esse é um estado de consumação total de citta. O observado no seu estado puro mantém-se paralelo ao observador, resultando então na longevidade da alma, que permanece em seu próprio estado — em estado de Ātma em vez de Jivātma.

Rasāyana é aplicada quando o paciente está livre de doenças. Rasāyana não é um remédio. A finalidade do remédio é trazer saúde a nível mental e físico e, de acordo com o Āyurveda, rasāyana é um tratamento dado a um indivíduo saudável para que ele continue assim. Os

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últimos três passos do yoga, chamados de trayi, são rasāyana para aqueles que melhoraram a saúde através da prática dos cinco primeiros passos (Poorvasadhana).

Em āyurveda, antes de iniciar o tratamento das terapias de eliminação de caminho quíntuplo (Shodhan-vidhi), o paciente é preparado para a eliminação. Essa pré-preparação é chamada de Poorva-Karma. Poorva-Karma inclui Snehan (oleação) e Svedan (sudação). Snehana é a oleação do corpo utilizando ghi, óleos, etc. É administrado como um tratamento oral, como um enema com óleo ou uma massagem na pele, e repreende a agitação de vāta. Svedana é um tratamento no qual o paciente deve transpirar ou suar.

Os Poorvangas em așțanga yoga — que são yama, niyama, āsana, prāņāyāma e pratyāhāra — são os poorva-karma. Através destes, o corpo e a consciência são preparados para tornarem-se um instrumento para percorrer mudanças, conhecidas como modificações restritivas, modificações de transe e modificações unidirecionais — nirodha, samādhie ekāgrata. A finalidade da prática dos últimos três passos é uma transformação total e eliminação do estado dual no corpo, na mente e na alma. Por isso, esses passos são chamados de rasāyana — tônicos para a consciência.

Finalmente, a consciência (o observado) alcança o estado saudável de exaltação e torna-se pura como o observador. Ambos sendo puros, permanecem indiferentes e não misturados, no estado indivisível de existência.

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EM ENTREVISTA PARA A COMUNIDADE DAS NAÇÕES1 SOBRE O ENSINO DE YOGA

IYENGAR, B. K. S. A Commonwealth Interview. In: IYENGAR HIS Life and Work. Mumbai: Yog, 2014. p. 297-308. Traduzido do inglês para o português brasileiro, no âmbito do projeto de Extensão Traduzindo Yoga para a Comunidade/UFPB (2021). Tradução: Mariana de Andrade Barbosa e Jessica Silva Oliveira. Revisão: Monica Fontana, Edilza Detmering e Tânia Liparini Campos. Revisão Técnica: Fernando Sanchez Lynn.

SOBRE O ENSINO DE YOGA NO OCIDENTE

A Índia é um país de clima quente, até mesmo no inverno: por aqui um pequeno descanso não causa perturbação no corpo. A corrente sanguínea continuará fluindo para as extremidades devido às condições climáticas, então podemos dedicar mais tempo às explicações. Alguns países ocidentais são muito frios. Então, se as explicações forem muito longas, o calor do corpo desaparece e levará tempo para aquecê-lo novamente. Isso é algo que se precisa adaptar do oriente para o ocidente.

No ocidente, quem ensina deve cuidar para que o calor de quem está aprendendo seja mantido. Quando o corpo está frio, mesmo que a técnica correta seja indicada, ele não consegue assimilar. Todas as explicações perdem seu encanto. Você tem que determinar o quanto pode explicar, ao passo que mantém o calor do corpo, e continuar a partir de onde parou. Mas, vejo que quem ensina tenta explicar tanta coisa em um dia que exaure a si e a quem está aprendendo. Por isso, se deve dosar as palavras, ver se elas foram digeridas ou não, e se o sistema absorveu a instrução. Dê um tempo. Em seguida, acrescente mais informação.

No ocidente, professores e professoras não fazem distinção entre quem está iniciando e quem já pratica há anos, e emitem as mesmas instruções. Mas, a quem está iniciando, devem dizer: “Pare agora, porque você é iniciante, você não dá conta”. É preciso saber disso.

Quando damos um curso intensivo, não há uniformidade na nossa

1 N. T.: Commonwealth of Nations, ou Comunidade das Nações, é um grupo de cooperação formado pelo Reino Unido e suas ex-colônias.

maneira de tratar com os grupos. Realizamos esses cursos com a condição de que vocês tenham praticado o suficiente para entender nossas instruções, mas muitas das pessoas que vêm são ainda muito verdes e não têm muita experiência. Rapidamente, conseguimos ver a diferença entre quem é iniciante e quem já pratica há mais tempo! O curso intensivo é intenso demais para algumas pessoas. Então, também temos problemas, mas olhando, sabemos exatamente que temos que dar instruções para iniciantes e para os corpos tonificados.

Quem ensina deve observar o quanto a aluna ou o aluno consegue assimilar. O ensino não tem absolutamente nenhum valor, a menos que o/a estudante possa captá-lo. Quando damos aulas, passamos nossa técnica e mostramos como as posturas devem ser feitas porque conhecemos o assunto, mas ao mesmo tempo, vemos quais erros estão acontecendo. Isso significa fazer uma observação. No ocidente, professoras e professores devem elaborar essa observação, pontuar as dificuldades de cada estudante e desenvolver a partir disso. Isso fará de vocês bons e boas ensinantes e ajudará o alunado — a compreensão virá aos poucos. A maturidade de cada estudante virá à medida que a professora ou o professor amadurece. Isso é o que digo que está faltando, e quando isso acontece, eu digo “Que maravilha!”.

Ensinamos āsana-s como anatomistas vivos. Embora muitas pessoas do ocidente tenham um conhecimento intelectual de anatomia e fisiologia e consigam nomear as diferentes partes do corpo, elas realmente não entendem suas funções. Apenas āsana-s podem ensinar isso. A perna dele é longa, a sua perna é curta. Não dependemos apenas da anatomia para ensinar Yoga, porque ela não dá o panorama geral.

Análise e experiência devem andar juntas. Ensinar é analisar, analisar cada estudante — seus calibres mentais e físicos — e então descobrir como colocar suas deficiências em conformidade com a mente ou a mente em conformidade com o corpo. Às vezes, uma pessoa ignorante executa melhor do que uma pessoa inteligente. Por que essa pessoa sem conhecimento apresenta bem? Por que essa pessoa com tal entendimento comete um erro? Compare os corpos. Isso se chama inteligência factual, da qual você pode obter os métodos de ensino.

Essa é a ciência do Yoga.

Sim, essa é a ciência do Yoga. Conheço o āsana, conheço a técnica do āsana, mas também tenho que saber como essa técnica vai ajudar a outra pessoa.

SOBRE RITMO E SEQUÊNCIAS

No intensivo, as explicações de Geeta são muito claras e apreciei o foco em cada etapa e as progressões. Ela realmente enfatiza a ordem correta de prática. Você dedica mais tempo para enfatizar isso?

A ordem correta significa ritmo no corpo, caso contrário, não há ritmo. Por exemplo, na música, quando você atinge um tom agudo, você alcança de repente ou gradualmente?

Gradualmente.

Ah, agora você entendeu. Quando parte para a ordem crescente, você vai escala por escala, não é? Quando terminamos nosso trabalho dispensamos o alunado com alegria, porque o trazemos de volta ao normal. Por exemplo, você consegue arquear para trás imediatamente?

Não.

Você constrói o arco para trás gradualmente. Depois de arquear para trás, você consegue fazer repentinamente uma extensão para frente? Isso é conhecido como sequência. Podemos agrupar essas sequências, mas para certas pessoas pode ser que não funcione, então temos que mostrar outro caminho de acordo com seus corpos. Você sabe que em carros, temos de quatro a cinco marchas. Você consegue mudar a marcha sem passar pelo ponto morto?

Não, você moeria as engrenagens.

É a mesma coisa no Yoga. Perdemos a paciência quando vemos as pessoas chegarem e de repente fazerem o arco para trás ou de repente se curvarem para trás nas cordas. O que acontece se não voltamos às posturas neutras?

Lesões.

Estamos mostrando essa sequência. Você tem que experimentar em várias pessoas para saber os efeitos nocivos e os efeitos negativos. É por isso que mudamos imediatamente se alguma coisa acontecer.

A título de exemplo, aquela garota do seu grupo que sofre desde criança com tosse e resfriado, eu mudei todo o sistema para ela. Apenas ontem ela disse: “Agora, me sinto viva.” Eu disse que ela teria que ficar aqui por seis meses para conseguir sua vida de volta, mas ela está aqui para o curso intensivo de três semanas, então eu a adverti: “Não dê ouvidos a ninguém por seis meses, apenas continue com o que dei a você. Não mude nada, e lembre-se da sequência. Com a mesma sequência, aumente gradativamente o tempo, e a resistência virá. Mesmo que esteja obsoleta, você precisa

continuar. Não se arrisque”. Isso é o que chamamos de ritmo. Deve existir ritmo no Yoga. Você escutaria uma música sem tom nem melodia? Afinal, o que é o corpo senão um instrumento, e a vibração, senão o som, a melodia? A vibração no meu corpo deve se sincronizar com meu movimento. É por isso que as posturas são feitas numa determinada ordem.

Por exemplo, nós recentemente começamos uma turma para iniciantes no andar de cima. Dei-lhes uma programação de treinamento para usar na minha ausência, enquanto estivesse em Londres. Primeiro, o professor deveria demonstrar a postura duas ou três vezes, e então levantar-se e dar a aula. Se as pessoas não entendessem, demonstraria mais duas vezes, e na terceira vez, faria com todo mundo, dizendo: “Olhem para mim. Olhem para a minha perna. Olhem para a minha mão. Olhem para minha outra perna”. No início, o professor tem que trabalhar por trinta minutos e cada estudante apenas vinte. Após um mês, o professor irá trabalhar por vinte minutos, da mesma forma que cada estudante. Depois de quatro ou cinco posturas ensinadas, a primeira vai ser mostrada uma vez e feita também apenas uma vez.

Quando estou fazendo a postura com meus alunos e minhas alunas, minha prática melhora e eu sei o que ensinar a seguir. Enquanto explico, olho para cada qual para ver o que está faltando. Capturo um ou dois erros e ensino a mesma postura no dia seguinte, fazendo apenas um ou dois apontamentos — apontamentos principais, não secundários. Até trazermos os erros grosseiros para a superfície, não devemos mencionar os mais sutis. Erros grosseiros são importantes. Você tem que fazer do corpo físico uma base para corrigir os pontos mais sutis. Mais tarde, esses pontos sutis vão te dar uma ideia de ritmo e de sequência.

Agora, o que é o neutro? Se você arquear para trás, não pode imediatamente fazer extensões para frente. Bharadvajāsana é uma postura neutra, como o ponto morto do carro. Nesse sentido, quantas pessoas conhecem as posturas neutras? Três ou quatro posturas em pé e entre elas a orientação é você fazer Uttānāsana. É uma postura neutra. Estou dizendo às pessoas agora para encontrarem o ponto neutro. Quando cometem um erro, eu as trago de volta à sequência. Eu também avalio o excesso ou a insuficiência da sequência. Isso evita lesões em qualquer parte do corpo.

As pessoas dizem que sou um professor agressivo, mas sou um professor intenso, não agressivo. Você acha que se eu fosse do tipo agressivo tantas pessoas teriam me seguido? Estes são jogos políticos que outras pessoas jogam e que levo na esportiva, só isso. Ninguém praticou como eu. Eu nunca mudei meus métodos. Se eu estivesse errado, definitivamente teria mudado. Eu vi os erros de meu professor e vi os erros de outras pessoas, então todos

foram meus professores, porque eu disse: “Não quero fazer o que aquelas pessoas fizeram”.

Certa vez, meu Guru estava ensinando um grande advogado — um homem idoso que tinha problemas muito sérios — e este me disse: “Você veio de Pune. Você tem sangue jovem. Eu sei que você pode trabalhar melhor do que seu Guru. Você pode me mostrar?”. Eu disse: “Sim, mas meu Guru tem que me dar a permissão, caso contrário, eu não faço. Como posso ensinar se meu Guru está ensinando a você? Meu Guru tem que me dar permissão”. Eu vi o que foi ensinado e sabia exatamente o que eu poderia acrescentar, por causa da minha prática — eu estava praticando na época, estou praticando agora. No momento que eu parar, perderei a intensidade e terei que depender de “não faça isso” e ” não faça aquilo”. Complexos de medo virão até mim. Não tenho medo, porque continuo praticando.

Essa é a ética de quem ensina, explicar menos e fazer em seus próprios corpos. Por exemplo, quando você diz “pernas esticadas”, faça você mesmo, faça você mesma, e descubra se sua própria perna está esticada. Quem sabe você se surpreenderá e aprenderá a usar menos palavras e ver os fatos.

O ritmo é essencial, assim não haverá nenhum perigo. Se alguém reclamar, questione o que foi feito e então demonstre com o seu próprio corpo até que você entenda como a outra pessoa fez e você saiba como corrigir. Então, a sequência partirá de você. A sequência é importante.

Um professor pode estar dizendo para os alunos e as alunas manter os pés retos, mas em vez de olhar para seus pés, ele olha para seus rostos. Se eu digo “peito”, eu olho para o peito. Quem ensina deve coordenar seus olhares com a sua terminologia. Vocês explicam, e explicam, sobre a posição das mãos na parada de mãos, enquanto as pernas estão colapsando. Quando as pernas estão te matando, como eu posso explicar sobre as mãos? Eu tenho que olhar para cima e para baixo e ver o que está acontecendo no geral, não apenas esquecer e continuar do mesmo ponto.

Se você conseguir colocar tudo isso junto, então você entenderá como remover e diminuir a dor. As sequências são uma obrigação. Um elo pode puxar a corrente para baixo. Nós temos centenas de elos em nosso corpo: trezentas articulações, setecentos músculos principais e muitos outros músculos em torno desses músculos principais ajudando-os a funcionar. Um músculo é dependente do outro. Nós temos que chegar à raiz final básica para encontrar onde este músculo está preso. Desta forma, você ensinará melhor e a arte terá uma base forte que não poderá ser abalada, porque você tem o controle da arte. Isso é o que eu quero.

Intelectualmente, vocês são excelentes, mas o que dizer emocionalmente? Seres humanos vivem 90% emocionalmente. Você pode ficar só, por um dia inteiro, em um lugar isolado do Himalaia? É um fato conhecido que não podemos, porque estamos todos vivendo emocionalmente. A mente é conectada aos sentimentos emocionais, o cérebro é sentimento intelectual. Uma personalidade equilibrada é aquela em que a emoção está conectada com o intelecto e o intelecto com a emoção. No Yoga, quando estamos fazendo posturas, nós temos que conectar a inteligência com a emoção, a emoção com a inteligência, e sincronizar estas duas com o corpo. Temos que usar as posturas, caso contrário, a mente fica vazia.

SOBRE MEDITAÇÃO

Qual a diferença entre āsana-s e meditação? Você não sente calma e tranquilidade em um bom apoio de cabeça? Você não sente serenidade quando você está descansando muito bem em uma Sarvāngāsana, Halāsana, ou Setu Bandha Sarvāngāsana no apoio? Então, você também faz meditação. No āsana, você está conectado e ao mesmo tempo desprendido.

Meditação, como é comumente ensinado, leva você ao vazio. Ali, há uma desconexão entre o corpo e a alma, e entre os dois há o vazio. Mas, quando você faz Halāsana, a mente não é desconectada do corpo ou da alma, e isso é conhecido como plenitude.

Pessoas com distúrbios emocionais não conseguem meditar imediatamente, mas conseguem praticar Yoga. Você já percebeu que muitas pessoas choram quando fazem Śavāsana? Elas não conseguem mesmo meditar. Elas se tornam vazias e temerosas, porque não há conexão com o lugar em que estão. Elas estão no ar, suspensas como uma ponte pênsil.

Quando as emoções estão fora de equilíbrio, não se consegue meditar.

Ah, não se consegue – āsana-s são mais efetivos, Patañjali disse: prayatna saithilya ananta samāpattibhyām (II.47) e Tato dvandva anabhighātah (II.48) – Através do relaxamento do esforço e da meditação no infinito, a postura é dominada. A partir disso (dominação da postura), não há ataques dos pares de opostos.

Patãnjali teria sido um tolo se tivesse dito que esses āsana-s são apenas para yoga físico. Dvandva significa divisão: em āsana, as dualidades desaparecem. Na meditação, a dupla personalidade se instala e cria um complexo de medo. Eu não consigo enfrentar isso! Eu não consigo fazer isso! Enquanto que em Yoga, não é solidão, é solitude. Solitude, plenitude – onde quer que esteja. Você está contatável e só. O ódio não vem no Yoga: “Oh, eu estou tão avançado. Eu não quero família. Eu não quero filhos.” Esse

sentimento não vem no Yoga, não no meu método. Āsana-s aproximam a mente do si-mesmo sem perder o contato com o mundo externo, enquanto na meditação, as pessoas se perdem completamente. Elas não conseguem tocar o mundo interno, nem conseguem voltar para o mundo externo, e esse é o problema.

É por isso que Patañjali deu a meditação como sétimo estágio, mas hoje todo mundo começa por lá, porque é o caminho mais fácil. Patañjali explicou muito bem que um fluxo ininterrupto de pensamento sem nenhum sentimento é meditação. Não se diz em nenhum lugar que é preciso fechar os olhos e sentar-se em um canto.

O Bhagavad Gita diz que você deve manter o seu corpo firme como uma rocha. Do centro do seu ânus até a garganta, você deve traçar uma linha reta perpendicular. Você deve sentar de uma forma em que haja paridade entre o centro do ânus, a garganta, a parte anterior do corpo, a parte posterior do corpo e a parte lateral do corpo. Essa é a arte de sentar para a meditação ou prāņāyāma. Em prāņāyāma, a cabeça é mantida para baixo enquanto que na meditação, a cabeça deveria estar exatamente no centro da garganta para que ela não caia para frente ou para trás. Sem usar o corpo, como você pode meditar? O Gita explica como se deve sentar, mas hoje dizem “use qualquer postura confortável e medite”. Após cinco minutos, a pessoa inclina-se para frente e isso se torna uma postura confortável – portanto, medite sobre isso. (risos) Não é uma flutuação? Você tem que aprender por que você se inclinou. Aprenda isso deliberadamente. Quando eu sento, eu estou observando o comportamento das minhas células. Eu estou estudando as minhas próprias emoções. Eu estou estudando o funcionamento da minha inteligência. Āsana-s levam à plenitude, tranquilidade com plenitude, não tranquilidade com vazio. Essa é a diferença.

SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PROFESSORAS

Como devemos abordar o treinamento de professores e professoras?

Treinar professoras e professores tem que ser considerado de uma maneira completamente diferente. Já dei a dica – que ensinantes mais experientes deveriam se reunir e auto ministrar um curso de aprendizes entre eles. As almas não são diferentes, portanto, não devemos dar muita importância a nossas personalidades.

Ao invés de dizer: “Eu sou melhor que ele”, diga: “Deixe-me ver o que eu posso aprender”. Eu não acredito em curso de formação de professores e professoras como acontece na área acadêmica, como Bacharelado em Educação. Dão uma aula e entregam as notas. Você não pode conduzir

Yoga dessa forma, porque o Yoga é subjetivo, você está em contato com a pessoa. Da mesma forma que você entra em contato com o alunado enquanto leciona, em um curso de aprendizagem, professoras e professores devem se reunir. Você tem que mapear o que está faltando, o que não está faltando, como unir seu ensino e o ensino das demais pessoas e formar um método uniforme que atuará como um guia para quem está em treinamento poder ensinar mais tarde. Com Yoga, você não pode simplesmente dar um curso de treinamento para professores e professoras e dizer: “Eu te treinei, agora vá e ensine”. Onde está a base a ser usada? Você deve dar a base e então, construir a partir daí. Dê liberdade nessa base. Vá em qualquer ângulo, mas sempre volte para a base. Treine professoras e professores que serão a nata.

Em primeiro lugar, ensinantes experientes devem se reunir e treinar entre si, então ensinantes com menos experiência devem ser chamados para uma oficina e um convite para conduzir a aula. “Eu lhe dou uma base, você pode conduzir a aula dentro dessa base?”. Então, você pode mensurar se as pessoas estão indo além da base que você deu. Se assim for, traga-as de volta e advirta: “Não, você está indo muito longe. Eu te disse para ensinar a partir dessa base”. Quando um músico está ensinando, ele diz: “Não, você não pode pular pra lá; venha pra cá, venha pra escala”. Você tem que descobrir se estão chegando nessa escala. Então, quando conduzirem aulas, o farão com clareza e sem complexo de medo.

É um curso de aprendizagem quando professores seniores se reúnem e orientam professores juniores. Depois de orientar, faça com que deem as aulas, veja como conduzem e então, espere. No ocidente, as pessoas querem ensinar rapidamente. Você tem que dizer-lhes que existem armadilhas em começar a ensinar antes de aprender essas coisas. Após um ano, ensinarão melhor do que se começassem a ensinar imediatamente.

Estou interessado em saber por que as pessoas começam a praticar Yoga.

Porque elas não conseguem encontrar alívio em nenhum outro método. A porta de entrada para a saúde humana é o sistema respiratório e o sistema circulatório. Quando se faz Setu Bandha Sarvāngāsana, os pulmões se expandem automaticamente. Em meu método, o processo de respiração aumenta indiretamente, mesmo sem ensinar prāņāyāma. É por isso que as pessoas encontram alívio. As substâncias químicas do sangue mudam, o que lhes dá saúde.

Para qualquer coisa, um motivo é necessário. Portanto, existe uma causa – uma causa em forma de dor, uma causa em forma de sofrimento – que faz

com que as pessoas venham ao Yoga. A verdadeira prática religiosa começa depois. Primeiro, temos que ajudar as pessoas a encontrar alívio, depois devemos encorajá-las a se apegar à verdadeira arte e ciência do Yoga e a viver essa arte. Noventa e nove por cento das pessoas que vêm estão motivadas unicamente para se livrar da dor, e temos que trabalhar nessa área apenas. Não as machuque – mesmo se não der alívio imediatamente, ainda assim vocês estão em segurança, porque quando elas conseguem suportar a dor, isso em si já é progresso. Primeiro, alimente-as, e então elas terão força para permanecer.

SOBRE ĀSANA-S COMO PREVENÇÃO E PREPARAÇÃO

Você fala em usar seu ensinamento para a prevenção.

É cem por cento preventivo. Sem dúvida alguma. É cem por cento preventivo, fisicamente, mentalmente e espiritualmente. Suponha que pela graça de Deus, a luz espiritual caia sobre você. Se seu corpo não aguenta, qual seria o resultado?

Devastador!

Ah, devastador! Tenho que ter certeza de que meus nervos serão fortes o suficiente para receber facilmente a luz, a luz espiritual.

(Trecho de uma entrevista concedida pelo Sr. Iyengar a estudantes do Victoria Yoga Centre, Canadá, e do Sydney Yoga Centre, Austrália, em 1985, que foi publicada no boletim informativo do Victoria Yoga Centre em 1986).

ENTREGA DE CERTIFICADOS

IYENGAR, B. K. S. Issue of Certificates. In: IYENGAR HIS Life and Work. Mumbai: Yog, 2014. p. 160-168. Traduzido, do inglês para o português brasileiro, no âmbito do projeto de Extensão Traduzindo Yoga para a Comunidade/UFPB (2021). Tradução: Janine Nerys e Mariana Barbosa. Revisão: Monica Fontana e Tânia Liparini Campos. Revisão Técnica: Fernando Sanchez Lynn.

Esta é uma transcrição editada de uma palestra proferida pelo Yogacharya B. K. S. Iyengar, durante a entrega dos primeiros certificados para professores da Suazilândia (atual Essuatíni), em 1975.

Como devo me dirigir a vocês? Companheiros sofredores? Vocês são meus filhos de uma certa maneira, os chamo de “filhos espirituais”, porque vocês nasceram no yoga através da minha abordagem intelectual e espiritual. Meus filhos biológicos nasceram apenas pelo meu comportamento físico, mas todos vocês se tornaram meus filhos devido ao meu comportamento espiritual. Todos vocês são meus filhos espirituais, portanto eu, sendo um pai que sofre, da mesma maneira, vocês devem sofrer comigo. Os filhos têm que assumir a responsabilidade de viver e suportar os sofrimentos do pai, por isso sou Um com vocês.

Todos vocês começaram a praticar yoga em 1968. Onze pessoas me procuraram naquela época. Como pai espiritual, nunca imaginei que em poucos anos esse assunto geraria tantos filhos em seu país. Como vocês são meus filhos espirituais diretos, sua responsabilidade é para com meus netos. Todos nós sabemos que os avós amam seus netos mais do que a seus próprios filhos, e a mesma coisa provavelmente se aplica a mim. Pode ser que eu ame meus netos espirituais mais do que a vocês, desde que trabalhem com zelo para torná-los verdadeiros seres humanos, para servir não apenas a si mesmos, mas também a seus irmãos e irmãs em seus próprios países.

Yoga é um assunto muito complexo. É um assunto fascinante. Desenvolve uma tremenda força de vontade, tremenda tenacidade. Este é o lado bom do assunto. O lado ruim do assunto é que ao buscar a Verdade ou ao buscar Unidade em nós mesmos, podemos desenvolver uma espécie de orgulho – pensar que somos melhores que os outros. Se não nos tornarmos vítimas desse comportamento, nos tornaremos verdadeiros filhos do Yoga.

Estou entregando certificados pela primeira vez, então a honra é de vocês. Ainda não comecei a emitir certificados no Instituto Mãe.

Um professor deve ter duas qualidades.

Você precisa ser forte no início, ainda que não conheça o assunto. Você deve ser forte e ensinar com uma abordagem afirmativa, mas, no seu interior, você deve ter uma abordagem cautelosa – “Estou indo na direção certa?”. No momento em que você demonstrar dúvida em seus ensinamentos, você terá criado a semente da dúvida em seus alunos e alunas. Ensinar é muito

difícil, mas é um dos melhores serviços humanos que podemos realizar. Você tem que trabalhar, não como professor, mas como aprendiz na arte de ensinar. Você estará aprendendo com seus alunos e alunas, porque a mente e o corpo humanos são diferentes em cada indivíduo. Tudo varia. É dever do professor trazer essa Unidade tanto no corpo quanto na mente. Um professor é dotado pela Providência para aprender, para que você possa compartilhar seus conhecimentos; não para dizer: “Eu sou um professor, então posso transmitir”. É aí que entra o orgulho. Você tem que ensinar afirmativamente, mas se permitir duvidar em sua abordagem. Ser afirmativo no momento de criar confiança em seu aluno ou aluna e negativo no seu interior, para que possa voltar e repensar o que quer que tenha feito – se você fez a coisa certa ou errada. Então, trabalhe em si mesmo para descobrir onde você cometeu erros em suas explicações ou em suas correções, porque você protege seu corpo mais rápido do que o de seus alunos e alunas. Essa é a natureza de cada indivíduo.

É muito raro um professor ser tremendamente forte no seu interior, mas tremendamente humilde no seu exterior. Eu sou um professor e vocês são meus alunos e alunas apenas na aparência externa, mas, no interior, vocês têm uma alma e eu tenho uma alma. Não existe diferença entre sua alma e a minha. Considero um privilégio que tenham vindo a mim, então, no meu interior, trato vocês como Deuses. Assim como servimos a Deus indo a igrejas ou templos, em seu coração, cada aluno e aluna é um deus para você. Em seu exterior, você não deve demonstrar que considera seu aluno ou aluna como Deus.

“Sirva a seus alunos e alunas como você serve a seu Deus. Este é um ponto para o desenvolvimento de um bom professor.”

Em seu exterior você é forte, mas em seu interior você precisa sentir que está servindo a uma pessoa que veio até você na forma de Deus e isso definitivamente o leva a um nível de ensino verdadeiro. No momento em que você se considera um professor e apenas diz: “Vamos lá, faça isso”, sua queda está traçada.

Considere isso com humildade no seu interior. O Ser é um, então, dentro de você, sinta seus alunos e alunas como Deuses. Se você tem fé em Deus, sirva a seus alunos e alunas como você serve a seu Deus; se você não tem fé, sirva a eles como serve a seus pais ou a seus melhores amigos. Esta é a atitude que você deve ter em relação aos seus alunos e alunas. Externamente, você tem que mostrar que existe uma diferença: eles são alunos e alunas e você é professor. Mas, internamente, você não deve diferenciar. Este é um ponto para o desenvolvimento de um bom professor.

A segunda característica de um professor é que ele não deve esperar muito do aluno ou aluna, mas, ao mesmo tempo, você tem que criar, despertar o interesse e transmitir: “espero mais de você”. Esta é uma qualidade muito difícil de um professor. Ninguém pode saber exatamente os limites de outra pessoa. No momento em que você diz: “Isso é tudo que essa pessoa pode alcançar”, seu conhecimento fica estagnado e a perspectiva do aluno ou da aluna fica estagnada. Ambos deveriam ter novos caminhos – pode ser que este seja o mínimo ou pode ser que seja o

máximo de meu aluno ou aluna, mas deixe-me seguir adiante. Deixe-me ver. Você deve continuar construindo seu aluno e sua aluna – física, mental e espiritualmente.

No seu exterior, você deve mostrar dualidade. Existe uma diferença entre pai e filho. No seu interior, o pai não se separa do filho, mas no seu exterior, sim, o filho é dependente, não é? Inicialmente os filhos são dependentes dos pais e, como chefe da família, você tenta mostrar a eles o caminho; mas depois de certa idade, eles se tornam iguais a você. Da mesma maneira, no ensino, você tem que adotar essa abordagem.

Advertências são necessárias, mas nunca diga a um aluno ou aluna: “Você é muito bom.” porque no momento em que você elogia, você está elogiando a si mesmo e essa é a ruína do professor. Você tem que criar uma espécie de novidade para mostrar que, embora o aluno ou aluna tenha avançado, ainda falta muita coisa. Você não deve olhar para os pontos positivos dos seus alunos e alunas, mas para os pontos que ainda não foram alcançados. Somente assim o professor se tornará um professor humilde, respeitado e cativante.

Esses certificados não são verdadeiramente necessários, mas, infelizmente, o mundo os exige. A adulteração está em toda parte, em tudo – no plano físico ou espiritual. No momento em que liberamos os certificados para toda e qualquer pessoa, também estamos nos corrompendo. Se você quiser ensinar, o mundo exigirá – “Onde você aprendeu? Você tem um certificado para ensinar?”. Se você tiver um certificado, eles terão mais confiança, mas no sentido mais verdadeiro isso não é necessário.

Os certificados não são entregues para uso indevido, para se dizer: “Sou um professor”. Os alunos e alunas estão pagando taxas a você não como professor, mas, na verdade, como remuneração para que você aprenda a se tornar um bom professor. Portanto, os certificados são uma remuneração para que você se torne um bom professor. Você tem que usar os certificados assim. Mesmo que você cobre taxas dos seus alunos e alunas, no fundo do seu coração, você deve sentir que eles estão pagando para que você aprenda a compartilhar a arte.

Yoga fornece tremenda inspiração, força de vontade e confiança, mas, em contraposição ao lado positivo, o lado negativo é que nos tornamos vaidosos. Se tiver cuidado para não se deixar envaidecer, mas estar no verdadeiro Ser, eu digo que fiz um bom trabalho por você e você também está fazendo um bom trabalho. Não posso esperar que todos os meus alunos e alunas sejam totalmente honestos ao longo de suas vidas. Isso você também deve saber – que nem todo ou toda estudante que vem a você vem pelo conhecimento espiritual. Alguns vêm porque sua saúde está debilitada e querem recuperá-la. Outros talvez venham, apesar de não falarem, para manter uma boa saúde, para que possam abusar mais – para se satisfazerem mais e abusarem de suas forças e da saúde de forma imoderada. Algumas pessoas vêm para se divertir, outras pessoas vêm para abusar! Você precisa conhecer a natureza dessas pessoas quando elas vêm, e precisa esperar para saber quando estão ultrapassando a linha da indulgência; apenas então a sua ajuda é necessária, não no começo. Isso é conhecido como psicologia do professor – saber quando é a hora de ter uma conversa com o aluno ou a aluna.

Talvez você tenha um aluno com problemas no coração. Seu médico disse para não fumar. Você também diz: “Não fume, não coma carne”, e ele diz: “Por que eu deveria escutar você?”. Você pensa que dizendo para ele não fazer isso, ele não vai fazer? Você também tem que ver o outro ponto de vista. Uma pessoa que é inteligente nunca irá parar imediatamente. Sem dar a pista, você descobre como interromper aqueles impulsos internos que a levam a ser indulgente consigo mesma. Isso também é a arte de ensinar. Você tem que estudar ambos calibres, o intelectual e o físico. Yoga desempenha todas essas funções.

Embora talvez eles e elas venham para aproveitar mais a vida, yoga é a chave que dá a satisfação dos sentidos e também te leva à satisfação espiritual. Não falo nada a uma pessoa que é indulgente na satisfação dos sentidos, mas meu trabalho é ver se consigo introduzi-la ao contexto do Yoga. Você também deve fazer a mesma coisa; não diga que não é uma boa pessoa ou que não quer lhe ensinar.

Se você não gosta da pessoa e você ensina essa pessoa, seu próprio pensamento é purificado. Às vezes temos alunos e alunas que nos dão enjôo. Lembrem-se, eles e elas são verdadeiros Gurus para o professor, porque o treinam para construir a si mesmo. Deus enviou essa pessoa a você, então você não pode apenas dizer: “Saia daqui, não estou preparado para te ensinar”. É um teste de Deus se você pode melhorar ou não. Essa é a encruzilhada na nossa abordagem do Yoga. Nessas encruzilhadas temos que ter muito cuidado. Temos que aceitar. Temos que descobrir se podemos pegar essa feiura – seja no caráter ou na personalidade – e fazer florescer algo a partir disso. Isso é um desafio para quem ensina. Não avalie um aluno ou uma aluna a partir do seu próprio nível. Avalie a partir do nível dele ou dela. A maneira dele ou dela falar e se comportar dirão se a pessoa está num estado espiritual primitivo, medieval ou avançado. Temos que chegar no nível do aluno. Você tem que descer ao nível do aluno ou aluna para mostrar o caminho. Como você sabe o caminho, e o aluno ou a aluna não, você precisa construí- lo lentamente dos padrões dele ou dela para o seu.

No fundo do meu coração, estou feliz que desde 1968 o Yoga vem se tornando uma árvore gigantesca no país de vocês. Suas responsabilidades aumentaram, vocês têm que carregar um peso grande nas costas e, por conta disso, não podem negligenciar suas práticas. Se vocês não conseguem praticar, não podem ensinar em absoluto.

Se um aluno vier até você com alguma doença, imagine que essa doença está em você. O que vai fazer? Como pode trabalhar? Que órgãos estão enfraquecidos? etc. Se percorrer esses caminhos em si mesmo, sua experiência subjetiva será de grande ajuda para aqueles e aquelas que são enviados por Deus como seus servos a você. Ele nos testa através do alunado.

Continuem com seu trabalho. Foi enviado por Deus. Por meio de Sua vontade, nós nos reunimos.

Não reforce quaisquer mal-entendidos entre vocês. Existem três maneiras – você pode esquecer, perdoar ou ser indiferente. Se o mal-estar cresce entre vocês, vocês não estão praticando yoga de forma alguma, exceto para envaidecerem-se. Dar e receber é a única

maneira de ser amigável no Yoga. Se você olhar para uma árvore, alguns galhos são retos, outros são tortos; algumas folhas são bonitas, outras não; algumas estão secas, outras estão frescas.

Assim também é uma família – todos esses ziguezagues estarão lá. Permita certos limites. Cada pessoa terá um entendimento diferente de acordo com o desenvolvimento de seu intelecto. Um pode ser maduro, outro talvez prematuro, e outro talvez no estado de amadurecimento. Temos que considerar todas essas coisas e mostrar o caminho. Para mostrar o caminho não podemos criticar. Só podemos criticar ou advertir quando os mesmos erros são repetidos várias vezes. Quando ocorre uma ruptura no começo, ela cresce para algo gigantesco depois, de modo que se torna um câncer da mente.

Se algo dá errado, eu sinto. Eu dei liberdade a todos. Não perguntei quantos alunos e alunas vocês têm ou qual é o seu ganho. Quando há liberdade, não deve haver mal-entendidos. Se vocês não tivessem liberdade, seria diferente.

Minhas práticas são completamente puras. Temos que ser honestos com nós mesmos. Temos que ser honestos no nosso trabalho. Temos que ser honestos para com nosso alunado. Então vocês podem fazer um trabalho maravilhoso. Continuem trabalhando com humildade internamente, mas quando ensinarem mostrem vaidade. Quando pratico, sou sáttvico. Quando ensino, não posso ser sáttvico. Se sou sáttvico, meu alunado será tamásico. A natureza sáttvica é o silêncio. A natureza tamásica é o embotamento e a inércia. Sou rajásico no meu método de ensino, para que meu alunado não se torne apático. O ensino rajásico faz com que o alunado pratique yoga sáttvico. Se você é sáttvico no seu método de ensino, está guiando seu alunado para a escuridão e não para a luz. Enquanto você estiver ensinando, deve ser rajásico; quando estiver praticando sozinho ou com seus colegas, deve ter humildade. Para aprimorar seu alunado você precisa mostrar um pouco do si-mesmo – do si-mesmo envaidecido. Se você for ameno, o cérebro do seu alunado ficará envaidecido. Para tornar o alunado humilde, você precisa ser rajásico. Quem ensina tem que desempenhar um papel duplo. Esse papel duplo não é desonesto. Quando você pratica, você se volta para dentro; você tem que estar dentro do seu corpo interno. Quando ensina, tem que esquecer de si mesmo e o aluno se torna todo o seu Ser. Você se torna um não-ser, mas o seu Ser entra naquele corpo. Você tem que sentir que está nesse segundo corpo – o do aluno ou da aluna. Para entrar nesse corpo, você precisa fazer barulho.

O ensino é externo. A prática é interna. Se souber de todas essas coisas, poderá evitar as armadilhas e Deus o abençoará. A árvore só pode dar frutos quando está madura. Existem várias árvores que nunca dão frutos. Para obter o fruto, temos que amadurecer todo o organismo interno para que o Ser se torne maduro. Eu desejo tudo de bom na vida de vocês.

(Discurso do Yogācharya B.K.S. Iyengar quando ele entregou os primeiros certificados a professores e professoras da África Austral. Esse mesmo discurso é utilizado na entrega de certificados em outras partes do mundo. Publicado com a permissão do Instituto B.K.S. Iyengar Yoga da África Austral.)

COMENTÁRIOS DE BKS IYENGAR IYENGAR, B. K. S. BKS Iyengar comments on. In: IYENGAR HIS Life and Work. Mumbai: Yog, 2014. p. 190-204. Traduzido, do inglês para o português brasileiro, no âmbito do projeto de Extensão Traduzindo Yoga para a Comunidade/UFPB (2022). Tradução: Janine Nerys, Jessica Oliveira e Mariana Barbosa. Revisão: Camila Braga, Edilza Detmering, Monica Fontana e Tânia Liparini Campos. Revisão Técnica: Fernando Sanchez Lynn.
“Artistas precisam de instrumentos, como um violino ou um pincel ou uma tornozeleira de guizos, para auxiliá-los a expressar suas artes. Os únicos instrumentos de um yogi são seu corpo e sua mente.” A ARTE DO YOGA Yoga é uma arte, e, como qualquer outra arte, também procura expressar as habilidades dos artistas ao máximo — mas com uma diferença. Artistas precisam de instrumentos, como um violino ou um pincel ou uma tornozeleira de guizos, para auxiliá-los a expressar suas artes. Os únicos instrumentos de um yogi são seu corpo e sua mente. Yoga é uma ciência, pois tem uma técnica extremamente evoluída baseada em princípios bem testados. É uma ciência que mostra como comungar com o corpo, a mente e a alma. Estabelece assim uma comunicação bastante inteligente, ou melhor, uma comunhão perfeita entre o corpo e a mente, e a mente e a alma. Logo, traz uma compreensão completa da própria natureza, para que se viva uma vida profundamente positiva. Tal indivíduo está em paz consigo mesmo e com seus semelhantes. O Yoga é baseado na disciplina física, mental, intelectual, moral e espiritual. Um verdadeiro aspirante deve, depois de atingir estabilidade emocional e intelectual, se esforçar para identificar-se com purușa, a alma, através do caminho da meditação. Só então um sādhakā é elevado do nível humano ao Divino. Desse modo, o sādhakā entrega todas as suas ações e “os frutos delas” à Suprema Força — o Senhor. Só então esta grande e nobre arte pode ajudar a erradicar as impurezas do corpo, torná-lo um instrumento para fruição da vida sem excessos e conduzir à iluminação.
Yoga é uma das formas mais refinadas e importantes da arte indiana; baseado numa ciência extremamente sutil, a ciência do corpo, da mente e da alma. É a riqueza da sabedoria que permite uma visão mais íntima do ser, pois mostra a forma certa de viver. É a mais elevada filosofia, que é parte integrante de todo dharma verdadeiro, visto que dharma é universal. Dharma é aquilo que suporta, sustenta e ampara aqueles que tenham caído física, moral ou espiritualmente, ou aqueles que estão caindo ou aqueles que estão prestes a cair. Não tem denominação e nem fronteira. É aquilo que é realizado e revelado através de inspiração divina. Dharma é um código de conduta prescrito pelos Vedas como um dos quatro fins da existência humana. Dharma é o guia para viver na direção certa. Dharma tem as suas próprias técnicas científicas como o yoga, para passar de avidyā para vidyā (da escuridão da ignorância para a luz do conhecimento), de apurna para purna (da incompletude da morte para a plenitude da imortalidade). O ser humano é abençoado com mãos, coração e cabeça. O que corresponde ao karma (trabalho), bhakti (adoração) e jñāna (sabedoria). Ashrama-Dharma ainda influencia a sociedade independente da cor, credo ou nacionalidade. Há quatro fases na vida de um homem. A primeira é bramacharya – o período dedicado aos estudos das escrituras. A segunda é o estágio de gŗhastha, ou a vida de quem sustenta o lar – que precede a família e a sociedade. O terceiro é o estágio de vanaprastha, ou preparação da mente para se afastar dos objetos do mundo. E por último, o estágio de sanyāsa, ou renúncia ao mundo material, a fim de buscar o objetivo espiritual. Envolve citta com o objetivo de focar em Iśvara, o Senhor e o Arquiteto do Universo. Os purushartha-s, que são fins buscados pelo homem, são dharma (dever), artha (prosperidade), kāma (prazer) e moksha (libertação). Dharma indica o modo de vida, e Yoga leva à arte de viver uma vida perfeita. Ambos, yoga e dharma são refinados após uma disciplina rigorosa que define cada movimento em ação, pensamento e palavras para a melhoria do indivíduo, bem como da humanidade.
YOGA E DHARMA
Śariramadyam khalu dharma sādhanam de Manu e nayamatma balahinena labhyah de Kathopanișad ilustram amplamente a importância do bem-estar físico, não apenas para o prazer (bhoga) mas também para estar livre de doenças (roga). Uma pessoa fraca não pode perceber ātman; nem sādhanā é possível sem paz no corpo e sem equilíbrio na mente. A fim de ter tanto equilíbrio quanto paz, yoga-dharma foi colocado em primeira ordem. Yoga não tem nacionalidade, casta, tempo, idade, sexo ou dogma. Como está destinada a toda a humanidade, é, sem dúvida, uma cultura universal. “Aquele que busca o conhecimento do si-mesmo não deve negligenciar o corpo.” Dharma é a cultura do si-mesmo, assim como o yoga. Ele torna seu kşetra, ou seja, o campo ou o corpo, puro e sagrado para o kşetrajna (puruşa, ou o si-mesmo) habitar. Yoga é dividido em bahiranga-sādhanā, antaranga-sādhanā e antarātma-sādhana. Bahiranga-sādhana compreende práticas éticas sob a forma de yama e niyama, e práticas físicas na forma de āsana-s e prāņāyāma-s. Antaranga-sādhana é a disciplina mental ou emocional que amadurece por meio de prāņāyāma e pratyāhāra, enquanto antarātma-sādhana alcança maturidade por meio de dhāraņa, dhyāna e samādhi. Aquele que busca o conhecimento do si-mesmo não deve negligenciar o corpo. Não seria abuso do si-mesmo se uma parte do si-mesmo, no caso o corpo, fosse negligenciada? Não é necessário estar completamente consciente do corpo para que se esteja totalmente consciente do si-mesmo? Ao praticar yoga, um sādhakā obtém a luz do si-mesmo que leva à percepção de Deus. A observação do dharma também leva à verdadeira realização, onde a vida e a morte são vivenciadas como uma só. O Yoga também leva a consciência para um estado de tranquilidade sem flutuações, sem divisões e sem dualidades no pensamento subjetivo ou objetivo, experimentando o estado de quietude e silêncio. Tanto o dharma como o yoga elevam o sādhakā do estado de ‘sendo’ para o estado de ‘tornar-se’, para que se viva no estado de ser puro, imperturbável. Assim como o yoga leva da cultura do corpo à cultura do Ser, do indivíduo à sociedade, da sociedade ao mundo em geral, o dharma, que é como uma árvore gigantesca que abriga toda a humanidade, leva ao caminho da retidão, de forma que a pessoa que segue o dharma bebe do néctar da fragrância espiritual, a culminação do dharma ou yoga.
A IMPORTÂNCIA DE ŚARIRA DHARMA
A NECESSIDADE DO ENSINO DE YOGA NAS ESCOLAS E FACULDADES Yoga é construção de caráter — o desenvolvimento de um caráter que garanta unidade e harmonia entre corpo, mente e alma — uma personalidade bem integrada e em paz consigo mesma e com a sociedade. ‘Educação’, derivada do latim ‘educare’, significa ‘induzir’ ou ‘estimular’ ou ‘revelar’ algo latente ou potencial — isto é, desenvolver os talentos e os dons do indivíduo. Resumidamente, é a extração das melhores qualidades de uma pessoa. A prática diária de yoga ajuda a alcançar uma perfeita compreensão do intelecto do corpo, pois o corpo também tem seu próprio intelecto. Este conhecimento do funcionamento do próprio corpo é baseado na experiência direta. A flexibilidade do intelecto e sua capacidade de aprender a partir de novas experiências leva à verdadeira educação, distinta de uma educação que depende de informações de livros e notas de aula. Yoga é um assunto que precisa ser experienciado, não apenas falado ou discutido. Todos devem passar por essa experiência mesmo que se queira falar ou discutir sobre isso. Através do yoga, é possível alcançar não só o bem-estar físico ou ‘tonificação’ do corpo, mas também a estabilidade emocional e a firmeza do intelecto. Logo, o yoga é uma arte que disciplina e desenvolve o corpo, as emoções e as aptidões intelectuais, pois o seu objetivo é refinar o ser humano. É uma ciência, pois é um estudo sistemático baseado nos princípios tão vigorosamente expressos nos aforismos de Patañjali, e também em outros livros sobre yoga como os Upanishads do Yoga. É uma filosofia, pois estuda os princípios da conduta correta e, assim, mostra o caminho para uma vida correta que tem o respaldo de séculos de experiência. Não se pode enfatizar o suficiente a necessidade de yoga para nossos alunos e alunas. A Índia está rapidamente se tornando industrializada e urbanizada. Estamos, portanto, caminhando para uma era de velocidade, estresse e tensão. Tal vida exige muito de nossos nervos, que são apenas ramos invisíveis do cérebro. Quando os nervos entram em colapso, a ansiedade e a neurose de um tipo ou de outro se instalam. A pessoa se torna uma pilha de nervos. “Prevenir é melhor que remediar” e yoga é a prevenção, visto que garante a força e a elasticidade dos nervos, que conseguem enfrentar uma boa dose de atividade agitada com equanimidade e equilíbrio. É, digamos assim, um tranquilizador natural e, o que é ainda mais importante para um país pobre como o nosso, pode ser ensinado sem grandes investimentos financeiros ou equipamentos, sequer um grande pátio ou um edifício e o resto da parafernália. Pode ser feito a qualquer momento, de acordo com a conveniência de cada pessoa. Pode até ser adequado às necessidades dos subnutridos ou superalimentados. Na verdade, depois de anos ensinando yoga, tenho uma opinião tão forte sobre o assunto que insistiria em recusar a concessão de um diploma a um aluno, a menos que ele seja considerado apto não apenas intelectualmente, mas também fisicamente. Ao mesmo
tempo, não consideraria um atleta devidamente qualificado a menos que também seja intelectualmente desenvolvido. O que desejo enfatizar é um desenvolvimento harmonioso e completo do aluno no corpo, na mente e no espírito, uma personalidade equilibrada com um caráter forte. Somente tais alunos e alunas podem criar uma nação saudável, justa, honesta, autoconfiante, independente e, portanto, saudável e feliz. O significado de āsana-s O que é que nos mantém longe da dor e do sofrimento? Apenas a saúde do corpo, da mente e da alma é capaz de nos fazer felizes desde o nascimento até a morte. Apenas a saúde pode nos permitir uma morte nobre e majestosa. A saúde não é uma mercadoria que se ganha engolindo comprimidos. Tem que ser conquistada com muito trabalho e disciplina. É preciso se exercitar para manter os músculos, os órgãos, os nervos, as glândulas, o fluxo sanguíneo e os sistemas do corpo em condições adequadas. Todo o sistema humano deve ser bem regulado como o nascer e o pôr do sol. Então, a mente fica livre dos grilhões do corpo, desapegada das imposições dos sentidos, e se apega à fonte de todo o conhecimento, todas as ações e todas as emoções. Isso é chamado de ātma (a alma). O corpo é o único capital que a Alma possui e ele necessita ser cuidado, seja para o prazer do corpo ou para a realização do Ser. Hoje vivemos uma vida artificial, ingerimos alimentos artificiais, usamos estimulantes para fazer sexo e tranquilizantes para dormir. Yogasana-s resistiram ao teste do tempo; eles estimulam o sistema, bem como o tranquilizam conforme a ocasião exige. Os āsana-s restauram o equilíbrio no sistema, fazendo com que o corpo seja renovado e limpo. Os āsana-s devem ser executados com energia fluida e com dinamismo, criando novos caminhos e esperanças, visto que a humanidade é sempre dinâmica e busca uma maior expansão em conhecimento e experiência. Os āsana-s não devem ser feitos mecanicamente, pois o corpo enferruja e a mente fica estagnada. Se Śirṣāsana é executado corretamente e com precisão, o peso do corpo não é sentido e o cérebro adquire acuidade. Se Dwi Pāda Vipārita Dandāsana é executado, o cérebro se torna aguçado, alerta e ativo. Se Sarvāngāsana é executado, o cérebro permanece sóbrio, sem mudanças positivas ou negativas (ambos são uniformemente balanceados) enquanto em Halāsana ou Uttānāsana o cérebro fica vazio, silencioso, sem criatividade e cem por cento receptivo. Se Setu-Bandha Sarvāngāsana for executado, o cérebro fica íntegro, sem oscilação, silencioso e cem por cento positivo e criativo. Quando Paschimōttānāsana é executado, todo o corpo físico sente paz e equilíbrio em cada célula viva. Se Baddha Koņāsana é executado, o desejo corporal pela união sexual diminui, enquanto no prāņāyāma o desejo mental pela união sexual diminui. Assim, cada aspirante pode rastrear os efeitos dos āsana-s realizando-os religiosamente com a mente aberta para observar o que acontece. Existem duas maneiras de fazer āsana-s: com ajñāna (sem nenhum pensamento por trás deles) ou com prajñāna (com plenitude de pensamento). Ao realizar os āsana-s, a coluna,
os braços e os dedos das mãos, as pernas e os dedos dos pés, a pele, as fibras, as membranas dos nervos e músculos, os órgãos, a inteligência, até mesmo o próprio Ser, devem estar aguçados, móveis, alertas, vivos, observantes e receptivos. Atividade e passividade devem andar juntos para obter o melhor efeito de cada āsana. E isso é yoga — união, ou integração total, durante a execução dos āsana-s. Assim como apenas uma árvore saudável produz flores e frutos saudáveis, somente a execução correta dos āsana-s proporciona uma personalidade saudável, paz mental e equilíbrio para o corpo. Execute āsana-s com consciência ininterrupta e atenção total (vivekakhyāti). Não execute āsana-s mecanicamente, com a mente vagando em outro lugar. Execute com total movimento e envolvimento. Aprofunde a inteligência de uma extremidade do corpo à outra, verticalmente, horizontalmente, circunferencialmente, bem como transversalmente. Isso vai trazer uniformidade e harmonia ao corpo; vai esculpir o corpo e trazer à tona sua beleza latente. Assim como um ourives martela e derrete o ouro para remover suas impurezas, o yogi executa os āsana-s para remover toxinas que se acumulam no corpo. O yoga atua como um presente da natureza, dissolvendo todos os tipos de complexidades e nos permitindo chegar à vida simples e ao pensamento elevado. A execução perfeita de āsana-s não leva a pessoa simplesmente ao estado de consciência corporal. Na verdade, a livra das limitações do corpo e a liberta, sublimando a mente ao nível do Ser. À medida em que um ou uma praticante entrega tudo aos pés do Senhor, ele ou ela se rende, se funde, e se torna um com o āsana. Então não haverá nenhuma diferença entre o conhecível, o conhecedor e o conhecimento. Haverá apenas a experiência daquilo que é verdadeiro, bom e bonito. Os āsana-s afetam não só as mudanças físicas, fisiológicas e biológicas, mas também as psicológicas. O aspirante não pratica as posturas pelo prazer sensual ou exibicionismo. Pelo contrário, sua prática é direcionada para a vida e no espírito. É falacioso acreditar que a permanência em uma postura confortável por um determinado tempo significa maestria no Yoga, pois uma postura sentada por si só não erradicará as dezenas de males e enfermidades de que o ser humano é herdeiro. Tampouco a saúde deve ser confundida com a mera existência. Saúde é o delicado equilíbrio na harmonia do corpo, da mente e do espírito, no qual as deficiências físicas e as distrações mentais desapareceram e o portão do espírito é aberto. O efeito mais importante ao realizar os āsana-s é aproximar a mente do núcleo do ser, pois ela naturalmente gosta de permanecer apegada ao corpo, ao sentido da percepção e aos órgãos de ação. De acordo com Patañjali, o domínio dos āsana-s leva à libertação das dualidades. A dualidade entre o corpo e a mente e a mente e a alma desaparece e resulta em tranquilidade. Viver na infinitude é o resultado do yoga. Isso acontece apenas quando as tentativas do aspirante são feitas sem esforço (sahajavasthā). Embora ele ganhe em saúde, força, firmeza e leveza, seu conhecimento se torna mais aguçado, mas ao mesmo tempo a humildade aumenta à medida que o ego se dissolve lentamente. Assim a prática de Yoga torna possível o trabalho e o sacrifício.
O tipo de comida que ingerimos é importante para a prática de āsana-s. Não deve ser nem muito quente nem muito fria, não deve ser excessivamente picante, azeda, salgada ou amarga. Nossa perspectiva de vida é determinada em grande medida pelo que comemos e como comemos. Uma pessoa está no caminho certo se cada porção de comida for consumida para capacitá-la a servir melhor ao divino. É verdade que nosso caráter também é influenciado pelo alimento que ingerimos. Também é verdade que a prática de Yoga muda os hábitos alimentares do aspirante e sua relação com a comida. Os sábios dizem que Yoga não é para quem dorme demais ou fica tempo demais acordado. A moderação nos hábitos de vida é a regra.
SOBRE COMIDA
A prática de prāņāyāma traz iluminação, pois purifica o todo-poderoso cérebro e o força a se render à sede da consciência. Assim, a impureza e a ignorância do ego, que cobrem o si-mesmo, são destruídas. No movimento de retirada, os sentidos tornam-se passivos e agora agem como amigos para guiar o aspirante ao portão da paz. A prática regular de prāņāyāma livra a pessoa do medo, desenvolve uma tremenda força de vontade e clareza e correção no pensamento. A mente é estabilizada, torna-se estável e a inconstância é erradicada. Então, a imposição da disciplina não é mais forçada, mas um desejo natural por sādhana.
SOBRE OS EFEITOS DE PRĀŅĀYĀMA
Samādhi é um sentimento de existir em um estado de completa paz e unidade com o universo. Aqui o ego é aniquilado. A pessoa existe sem a consciência de “eu-idade”. Não existe consciência da mente, respiração e movimento, de nada, em suma, exceto a Paz Infinita e Alegria (ānanda), que os sentidos não podem perceber. Essa experiência de bem-aventurança é o último estágio do yoga — o de Samādhi. Então esse instrumento, o si-mesmo, é um instrumento adequado para a percepção de Deus. Criatividade significa esquecimento da consciência individual. O músico pode produzir sons delicados e sutilmente divinos apenas esquecendo-se de si. O poeta, também, destila a quintessência da linguagem, e o artista apresenta o maravilhoso mundo da linha e da cor apenas transcendendo o si-mesmo. O yogi também é, ele mesmo, criativo, e a experiência dessa nova criação toca um estado onde nem o tempo, nem a causa, nem o efeito o atingem. Seu esquecimento do si-mesmo é, ao mesmo tempo, um senso de unidade, a consciência de uma personalidade integrada. Corpo, mente e si-mesmo são integrados como um só, e nesta unidade, pureza e sabedoria brilham, combinadas com humildade e simplicidade. Uma pessoa assim brilha como o sol, sem barreiras ou limitações. Não somente é iluminada como ilumina todos que vêm a ela em busca da verdade. Se, pela graça de Deus, alguém que nasceu com deficiência visual recebe por um momento um vislumbre da beleza e da grandeza do mundo – quem seria capaz de medir seu êxtase? Da mesma forma, um vislumbre do Divino vale toda a dor e o trabalho árduo implicados na prática do Yoga.
SOBRE SAMĀDHI Samādhi é um sentimento de existir em um estado de completa paz e unidade com o universo. Aqui o ego é aniquilado. A pessoa existe sem a consciência de “eu-idade”. Não existe consciência da mente, respiração e movimento, de nada, em suma, exceto a Paz Infinita e Alegria (ānanda), que os sentidos não podem perceber. Essa experiência de bem-aventurança é o último estágio do yoga — o de Samādhi. Então esse instrumento, o si-mesmo, é um instrumento adequado para a percepção de Deus. Criatividade significa esquecimento da consciência individual. O músico pode produzir sons delicados e sutilmente divinos apenas esquecendo-se de si. O poeta, também, destila a quintessência da linguagem, e o artista apresenta o maravilhoso mundo da linha e da cor apenas transcendendo o si-mesmo. O yogi também é, ele mesmo, criativo, e a experiência dessa nova criação toca um estado onde nem o tempo, nem a causa, nem o efeito o atingem. Seu esquecimento do si-mesmo é, ao mesmo tempo, um senso de unidade, a consciência de uma personalidade integrada. Corpo, mente e si-mesmo são integrados como um só, e nesta unidade, pureza e sabedoria brilham, combinadas com humildade e simplicidade. Uma pessoa assim brilha como o sol, sem barreiras ou limitações. Não somente é iluminada como ilumina todos que vêm a ela em busca da verdade. Se, pela graça de Deus, alguém que nasceu com deficiência visual recebe por um momento um vislumbre da beleza e da grandeza do mundo – quem seria capaz de medir seu êxtase? Da mesma forma, um vislumbre do Divino vale toda a dor e o trabalho árduo implicados na prática do Yoga.
YOGA e ASANA IYENGAR, B. K. S. Yoga and Āsana-s. In: IYENGAR HIS Life and Work. Mumbai: Yog, 2014. p. 101-112. Traduzido do inglês para o português brasileiro, no âmbito do projeto de Extensão Traduzindo Yoga para a Comunidade/UFPB (2023). Tradução: Tânia Liparini Campos. Revisão: Monica Fontana. Revisão Técnica: Fernando Sánchez Lynn. Ninguém sabe quando o mundo surgiu, nem conhece o Ser absoluto primordial e atemporal. Tanto a natureza como Deus existiam antes do ser humano saber sobre eles. À medida que o ser humano se desenvolveu, foi gradualmente se dando conta de como sua cultura deveria ser e, através dessa realização, veio a civilização. Palavras surgiram para expressar os sentimentos mais profundos do ser humano. E à medida que este se desenvolveu, os conceitos de dharma (religião), prakŗti (natureza), puruşa (Deus) e yoga despertaram nele. É muito difícil expressar o conceito dessas palavras em termos precisos, pois elas desafiam qualquer definição. Cada pessoa dá sua própria interpretação conforme seu entendimento. Talvez a palavra yoga passou a ser usada porque havia viyoga (separação), e o dharma se fez necessário quando o ser humano passou a viver não por shreyas (o bom e o auspicioso), mas por preyas (o prazeroso, que está associado ao sofrimento). Sofrimento e alegria seguem um ao outro como os raios de uma roda. A palavra Deus transmite a ideia de força primitiva que cria, organiza e destrói todas as criaturas e a criação, a força que sustenta o nascimento, o crescimento e a morte. Essa força da criação, sustentação e destruição talvez tenha sido descoberta quando o ser humano, olhando ao redor, descobriu o prazer e a dor, o bem e o mal, o amor e o ódio, o permanente e o transitório. Ao perceber a luta constante entre esses opostos, o ser humano sentiu necessidade de uma personalidade (O Supremo Puruşa) que fosse livre dessas oscilações, não afetada pelas aflições e intocada por ações e reações, livre dos sofrimentos e alegrias que são a condição do ser humano comum. Ele é onisciente, conhecedor do princípio e do fim de tudo. Ele é, primeiramente, forma não manifesta, depois aparece como uma entidade perceptível e clara e, depois, se funde novamente no infinito: a emergência e a dissolução de todos os seres. Esse tipo de abordagem analítica pode ter levado um aspirante a visar o mais elevado ideal, corporizado no perfeito Puruşa ou Iśvara ou Deus. Esse Iśvara, o Ser Eterno, ao qual ele chamou de Deus, o Guru de todos os Gurus, se tornou o ponto de foco de sua atenção, concentração e meditação, e sua busca de vida centralizou-se em torno da questão de todas as questões: Como alcançá-lo? Em sua busca por uma resposta, o ser humano criou um código de conduta de acordo com o qual poderia viver em paz e harmonia. Ele procurou distinguir entre o certo e o errado, o bem e o mal, a virtude e o vício, a moralidade e a imoralidade. Então surgiu um conceito abrangente de dharma (religião), ou a ciência do dever. Shri Radhakrishnan habilmente define dharma como patitam, patantam, patisyanatam dharati iti dharmah. “Dharma é aquilo que apoia, sustenta e dá suporte àquele que está caindo, que caiu e que está prestes a cair física, moral, mental e espiritualmente”. Isso basta para esclarecer que o dharma é para toda a humanidade, independente de raça, casta, classe, crença ou fé proferida. A pessoa tem que manter seu corpo (kshetra) limpo, saudável, forte, puro e divino para o Puruşa (kshetrajna), o ātma ou o si-mesmo, para realizar seu dharma bem e experimentar o estado de UNIDADE, conhecido como um estado divino, superconsciente ou perfeito. A ciência do yoga foi, portanto, descoberta, já que é impossível para uma pessoa fraca (nayamatma balahinena lābhyaha) experimentar a realização suprema, o objetivo final no qual todas as dualidades desaparecem e apenas o equilíbrio puro é experimentado. Certas normas de conduta foram descobertas. Assim, o sábio Patañjali inicia com essas normas: atha yogānushāsanam, “as disciplinas do yoga”; quando as disciplinas são concluídas, o aspirante experimenta integração em seu interior (liberdade das dualidades do corpo e da mente, e da mente e da alma), denominada samyama yoga, ou o yoga da integração. O que é yoga? Não preciso elaborar isso em detalhes. Resumidamente, eu diria que é uma ciência que lida com a saúde e perfeição do corpo, com a finalidade de revelar a diferença entre corpo e mente, e transformar a pessoa, levando-a a um estado de pureza virgem, de forma que o si-mesmo, quando não contaminado por prazeres e desejos, possa permanecer puro e cristalino. O yoga mostra o caminho para a arte do bem viver e, por isso, é também considerado como um ramo da filosofia. É a comunhão da alma individual, a fusão de jivātma com o Paramātma. Antes de explorar o desconhecido e a alma universal invisível, a pessoa primeiro tem que aprender sobre o conhecido e os objetos visíveis, como o corpo, e depois ir para as coisas sutis, como a mente, a inteligência e a vontade, que são os veículos da alma. É o treinamento do corpo e da mente que leva a pessoa a experimentar a tranquilidade da alma. O yoga abrange todo o ser humano e foi criado para sua evolução completa, desde a base do corpo até o ápice da alma. A natureza introduziu no ser humano os três guņa-s, ou qualidades: sattva (iluminação), rajas (ação) e tamas (inércia), e o ser humano ficou preso no círculo desses guņa-s, e seu ciclo de vida começou a se mover como uma roda de oleiro. Kālachakra – a roda do tempo – moldou e remoldou o ser humano nos três guņa-s e o ser humano se tornou prisioneiro de três tipos de aflição: adhyātmika, adidaivika e adibhautika. A dor adhyātmika tem sua origem dentro do ser humano, seja no nível físico ou fisiológico (ou ambos), criando agonia mental. As dores adidaivika e adibhautika ocorrem devido a causas fora do nosso controle, como destino ou acidente, alergia ou infecção viral. Árvores e plantas saudáveis dão flores e frutos bons e a horticultura foi desenvolvida para fazer com que as árvores e as plantas cresçam saudáveis. Da mesma forma, o ser humano desenvolveu o yoga para se libertar das três aflições mencionadas acima. O yoga tem oito aspectos e por isso é chamado de aşţānga yoga. Deixe-me explicar brevemente esses aspectos do yoga. Os oito aspectos são yama, niyama, āsana, prāņāyāma, pratyāhāra, dhāraņa, dhyāna e samādhi. Os cinco princípios universais de yama – ahimsa (não-violência), satya (verdade), asteya (não cobiçar), brahmācharya (celibato) e aparigraha (não possuir bens além da necessidade) – disciplinam os órgãos de ação (karmendriyas), que são as mãos, as pernas, os órgãos de reprodução, de excreção e da fala. Os princípios de niyama – saucha (pureza), santosha (contentamento), tapas (desejo ardente por autoconhecimento), svādhyāya (estudo das escrituras que iluminam a inteligência) e Iśvara praņidhāna (devoção ao Senhor) –purificam os jñānendriyas (sentidos da percepção), que são os olhos, as orelhas, o nariz, a língua e a pele. Os āsana-s sublimam os sentidos da ação e da percepção e os harmonizam com o funcionamento orgânico do corpo. Além disso, os āsana-s mantém livres os canais de todo o sistema nervoso, de forma que, quando prāņāyāma é praticado, a energia do prāņā que é absorvida na forma de puraka, ou inalação, pode fluir sem interrupção em todas as fibras nervosas. Prāņāyāma aquieta as tensões do corpo e da mente e revela o brilho do intelecto. Pratyāhāra (retração dos sentidos de objetos que os atraem) ilumina e mostra o caminho em direção ao Ser. Dhāraņa (concentração, ou manter-se firme) e dhyāna (meditação) dissolvem a inteligência iluminada no próprio si-mesmo, levando à absorção total (Samādhi). A ciência avançou a ponto de enviar o homem à lua e trazê-lo de volta. A ciência da medicina progrediu além da imaginação. Transplantes de coração e dos rins são realizados e línguas artificiais possibilitam a pessoa a falar. Apesar disso, doenças físicas e emocionais estão exaurindo a força vital de pessoas por todo o mundo. As pessoas estão se afastando de seus semelhantes. A desconfiança, a dúvida, a competição e a luta por sobrevivência se intensificaram, o estresse e as tensões aumentaram e o egoísmo criou raízes no lugar do altruísmo para o desenvolvimento do ser humano. Sem dúvida, o uso de medicações ajuda a aliviar a dor, o estresse e as tensões, mas não contempla a preocupação, a ansiedade, a depressão e o sofrimento. O que é que mantém a pessoa livre de dor e de sofrimento? Apenas a saúde do corpo, da mente e da alma faz com que a pessoa possa viver feliz desde o nascimento até a morte. Apenas a saúde permite que a pessoa morra de forma nobre e majestosa. A saúde não é uma mercadoria que se obtém ao tomar um comprimido. Tem que ser conquistada com trabalho duro e disciplina. É preciso se exercitar para manter os músculos, os órgãos, os nervos, as glândulas, o fluxo sanguíneo e os sistemas do corpo em condições adequadas. Todo o sistema humano deve ser bem regulado, como o nascer e o pôr do sol. Então, a mente fica livre dos grilhões do corpo, desapegada das imposições dos sentidos, e se apega à fonte de todo o conhecimento, de todas as ações e de todas as emoções, ou seja, ātma (a alma). Sem dúvida, o corpo é a morada da alma, mas um corpo morto não tem nada a ver com realização e ética. É o corpo vivo que deve ser despertado por meio da educação e reeducação dos nossos modos e hábitos, da moderação na alimentação, no sexo e no sono, com a prática de āsana-s, prāņāyāma e meditação. O corpo é o único capital que a alma possui e ele necessita ser cuidado, seja para o prazer do corpo ou para a realização do si-mesmo. Nos dias de hoje, novas invenções e descobertas são feitas para melhorar a saúde assim como a expectativa de vida. Nos tempos antigos, o ser humano não era abençoado com instrumentos para a observação, como microscópios e estetoscópios, mas ele desenvolveu a faculdade da observação e a praticou por intuição, e aproveitou os recursos naturais para lidar com as doenças prevalentes. As pessoas de antigamente testaram em si suas próprias ideias. Elas copiaram o movimento dos animais e outras formas de vida, criaram āsana-s e avaliaram seus efeitos em seus próprios corpos. Suas mentes inventivas descobriram novos āsana-s para lidar com diferentes doenças. Elas perceberam o espírito universal fluindo através de toda a criação e começaram a nomear os āsana-s conforme os diferentes aspectos da criação: os reinos vegetal e animal, os heróis, os sábios e os deuses. Hoje em dia vivemos uma vida artificial, temos alimentos artificiais, estimulantes para o sexo e calmantes para dormir. Os yoga āsana-s sobreviveram ao teste do tempo, eles estimulam assim como tranquilizam o sistema conforme as necessidades da ocasião. Apesar de os seres humanos terem origens geográficas, perspectivas históricas e elementos sociais diferentes, seus problemas e desejos fundamentais, seus prazeres e dores, são os mesmos no mundo todo. Os sentimentos diferem apenas no grau e essa diferença acarreta em mudanças bioquímicas no sistema. Os āsana-s devem ser executados com energia fluida e com dinamismo, criando novos caminhos e esperanças, visto que o ser humano é sempre dinâmico e busca uma maior expansão em conhecimento e experiência. Os āsana-s nunca devem ser feitos mecanicamente, pois o corpo enferruja e a mente fica estagnada. Em primeiro lugar, há uma enorme deturpação na interpretação do yoga. Alguns dizem que é físico, outros dizem que é mental, enquanto muitos alegam que é espiritual. Uma árvore tem raízes, um tronco, galhos, folhas, casca, seiva, flores e frutos. Cada um desses componentes tem uma identidade separada, mas não se pode chamar cada componente por si só de árvore. Todas essas partes reunidas se tornam a árvore. Assim também o yoga é como uma árvore. É ridículo fragmentar a árvore do yoga e rotular cada uma das partes como se fossem separadas da árvore principal. Não são os princípios universais de yama as raízes, enquanto as disciplinas de niyama formam o tronco? Não são os āsana-s os galhos da árvore? Não é o prāņāyāma que areja o corpo com o sopro da vida, que forma as folhas da árvore e permite que ela cresça? Não é a casca da árvore como pratyāhāra, que impede que a árvore se deteriore? Não é pratyāhāra a energia que impede que os sentidos se voltem para fora, levando-os para dentro; o yoga permitindo que a pessoa encontre a verdadeira felicidade dentro de si mesma? Não é dhāraņa como a seiva, dentro da casca, que alimenta as raízes para sustentar o peso da árvore e que também flui por todo o corpo, mantendo-o firme, até que dê as flores de dhyāna que, por sua vez, amadurecem nos frutos de samādhi? Não é a tendência natural de uma árvore encontrar sua fragrância no fruto? Se é assim, não é verdade que a finalidade da árvore do yoga é dar fragrância espiritual ao aspirante que o pratica? Por que delimitar a inocência de sua inteligência com uma inteligência inflada e criar dúvidas e desconfiança em suas iniciativas? Por que não manter a mente do aspirante livre de viés? Antes de continuarmos, permita-me citar a visão de Sri Aurobindo sobre os āsana-s, que são considerados pelos yogis modernos como simples haţha (yoga físico): “O haţha yoga puro é o meio de realização através do corpo. Seus processos são físicos, extenuantes, colossais, complexos e difíceis. Se centralizam em āsana-s, prāņāyāma e nas purificações físicas. O número de āsana-s no haţha yoga moderno é limitado e ainda assim eles são muitos e dolorosos; no texto antigo do haţha yoga puro, eles são inúmeros e o yogin de então praticava todos. O āsana é simplesmente uma posição particular do corpo, e é perfeito, ou, em linguagem técnica, conquistado, quando a pessoa consegue permanecer em uma única postura – por mais tensa ou aparentemente impossível – por um período indefinido, sem ser forçada, pela tensão, a se lembrar do corpo.” O primeiro objetivo do āsana é conquistar o corpo, pois o corpo tem que ser conquistado antes de se tornar divino, para ser capaz de receber qualquer tipo de comando e nunca sermos comandados por ele. O segundo objetivo é conquistar a natureza física com o desenvolvimento dos siddhis laghima, anima, garima, mahima. O terceiro objetivo é desenvolver no corpo a força yóguica, tapah ou viryam, o fogo do yoga. O quarto objetivo é se tornar urdhvaretah, ou seja, levar toda a força viril do corpo para o cérebro e devolver ao corpo somente o necessário para purificação e eletrificação. Prāņāyāma é o domínio da força vital, a energia móvel que mantém o universo em andamento. No corpo humano, a função mais notável do prāņā, ou força vital, é a respiração, necessária ao ser humano comum para viver e se mover. O yogin conquista essa força e se rende independente dela. Mas não limita sua atenção à operação vital simples. Distingue cinco principais forças vitais e várias secundárias – às quais deu um nome – e aprende a controlar as múltiplas correntes prânicas nas quais essas forças operam. Assim como há inúmeros āsana-s, também há muitos tipos diferentes de prāņāyāma, e a pessoa não é um perfeito haţha yogin até que tenha domínio de todos eles. A conquista do prāņā atesta a saúde perfeita, o vigor e a vitalidade adquiridos pelos āsana-s; atesta o poder de viver o quanto a pessoa deseja. Sem dúvida, em alguns lugares existe o equívoco de que āsana-s são apenas uma forma de movimento físico, sem relação com o verdadeiro sentido do yoga. O mesmo equívoco predomina com relação aos termos haţha yoga (o yoga da vontade), rāja yoga (o caminho real do yoga), jñāna yoga (o yoga do conhecimento), karma yoga (o yoga da ação) e bhakti yoga (o yoga da devoção). Āsana-s são uma parte da árvore do yoga e não podem ser separados da árvore principal. De acordo com o sábio Patañjali: “tato dvandvaha anbhighataha”. As dualidades são superadas através do domínio dos āsana-s. Swātmārama, no Haţha Yoga Pradipika, declara: “Tadāsanam stairiam dehasya manaschanchalya roopa rajo dharma nashakatena sthiratam kuryat. Āsanani rajo hanti iti vakyati arogyam chitta vikshepa rogabhavaha. Yadi stana samasya iti, anganam laghavam laghuttam. Gauvaroopa tamodharma nashakatvamapyate noktam.”. ‘A prática de āsana-s não apenas traz saúde e leveza ao corpo, mas também elimina as doenças que causam distúrbios mentais ao erradicar as qualidades tāmasica e rājasica do corpo assim como da mente’. No Trisiki Brahmanopanishad é dito que: āsana-s vijitam yena jitam tena jagatrayam. “Aquele que adquiriu domínio dos āsana-s conquistou os três mundos: inferno, terra e céu”. Para mim, essas são as três esferas: corpo, mente e si-mesmo. Quando tais afirmações são feitas por expoentes do yoga, é lamentável que algumas pessoas, arbitrariamente e desnecessariamente, dividam o yoga para promover suas próprias ideias e ceder a críticas injustificadas. Permita-me tomar como exemplo alguns āsana-s e seus efeitos no corpo e na mente. Se Śirşāsana é realizado corretamente e com precisão, não se sente o peso do corpo e o cérebro fica aguçado. De forma semelhante, se Dwi Pāda Vipārita Daņdāsana é realizado, a pessoa não se torna somente aguçada, mas também alerta e ativa. Se Sarvāngāsana é realizado, o cérebro permanece sóbrio, sem mudanças positivas ou negativas (os dois pólos uniformemente balanceados), enquanto em Halāsana ou Uttānāsana o cérebro fica vazio, silencioso, não criativo e cem por cento negativo. Se Setu Bandha Sarvāngāsana é realizada, o cérebro se torna pleno, sem oscilação, silencioso e cem por cento positivo e criativo. Quando Paschimōttānāsana é realizado, todo o corpo sente paz e equilíbrio em cada célula. Se Baddha Konāsana é executado, o desejo corporal por união sexual diminui, enquanto em prāņāyāma o desejo mental por sexo diminui. Dessa forma, cada aspirante pode mapear os efeitos dos āsana-s realizando-os religiosamente com a mente aberta para observar o que acontece na sequência de sua prática. Creio que esses exemplos bastam para compreender o valor dos āsana-s. Aconselho que não os subestime ou os subvalorize sem ter a experiência subjetiva por você mesmo. Para mim, como estudante de yoga, não há outro membro no yoga além dos āsana-s que possa realmente testar nossa tenacidade, disciplina, sujeição e sublimação. Onde termina o corpo e começa a mente? Onde termina a mente e começa o si-mesmo? Por que delimitar e desintegrar a arte e ciência do yoga? Há duas formas de fazer āsana-s: com ajñāna (sem nenhum tipo de pensamento por trás) ou com prajñana (com plenitude de pensamento). Ao realizar os āsana-s, a coluna, os braços e os dedos das mãos, as pernas e os dedos dos pés, a pele, as fibras, as membranas, os nervos e os músculos, os órgãos, a inteligência e até o próprio si-mesmo devem estar aguçados, móveis, alertas, vivos, observantes e receptivos. Atividade e passividade devem andar juntas para extrair o melhor efeito de cada āsana. E isso é yoga – união ou integração em nossos āsana-s. Para um praticante, não há limitação de idade ou sexo, cor ou dogma, saúde ou falta de saúde, força ou fraqueza. Os yama e niyama de Patañjali são semelhantes aos dez mandamentos: adequados a todo o universo sem nenhuma restrição de país ou idade. Poderíamos incluir o décimo primeiro mandamento para todas as pessoas por todo o globo – os āsana-s. Assim como apenas uma árvore saudável gera flores e frutos saudáveis, somente a realização correta dos āsana-s proporciona uma personalidade saudável, paz para mente e equilíbrio para o corpo. Realize āsana-s com consciência ininterrupta e atenção focada (viveka khyāti). Não realize āsana-s mecanicamente, com a mente vagando em outro lugar. Pratique com total movimento e envolvimento. Penetre o intelecto de uma extremidade do corpo à outra, verticalmente, horizontalmente, circunferencialmente bem como transversalmente. Isso vai trazer uniformidade e harmonia ao corpo para trazer à tona sua beleza latente. Assim como um ourives martela e derrete o ouro para remover as impurezas, também o yogin realiza os āsana-s para remover as toxinas que se acumulam no corpo. Isso opera como um presente da natureza, dissolvendo todos os tipos de complexidades e nos permitindo voltar a uma vida simples e a um pensamento elevado. Olhar fixamente para uma vela acesa, recitar um mantra prescrito, cultivar bons pensamentos, concentrar-se em uma personalidade nobre ou ler textos e livros sagrados são normalmente consideradas práticas espirituais (ātma sādhana). Se, durante a prática, cada āsana for considerado como um mantra ou uma deidade (Ishta Devata), então todo āsana se torna uma postura espiritual. Por que considerar um āsana como puramente uma postura física enquanto outro āsana é considerado uma postura meditativa? Por que não dizer que enquanto houver esforço para refinar o āsana, ele é uma postura física ou cultural e, com maior refinamento do movimento, ele se torna uma postura meditativa? Se a atitude e aptidão corretas forem cultivadas na mente e na alma durante a realização dos āsana-s, o praticante ganhará domínio sobre eles, e quando os esforços e refinamentos cessarem, luz irá surgir desde a essência de seu ser, se espalhando em direção ao infinito. A execução perfeita de āsana-s não traz consciência corporal (como algumas pessoas pensam), mas livra a pessoa das limitações do corpo e liberta, sublimando a mente com o si-mesmo. Assim como um devoto entrega tudo aos pés do Senhor, também o praticante se entrega, se funde e se torna um com o āsana. Então não há nenhuma diferença entre o conhecível, o conhecedor e o conhecimento. Há apenas experiência daquilo que é verdadeiro, bom e bonito. Permita que cada āsana, quando realizado, seja experimentado como satyam shivam sundaram.